Faz seis meses que a bolha do crédito hipotecário estourou, mas até agora ninguém está em condições de medir o tamanho do estrago. Quando alguém passa um calote na praça, o mercado define prontamente quanto passa a valer o título micado. Em fevereiro de 1987, o Brasil decretou a moratória da dívida externa. O mercado fechou-se imediatamente para novas emissões de títulos brasileiros, mas os antigos, ainda que com grande deságio, continuaram sendo negociados.
No entanto, ninguém está hoje em condições de avaliar corretamente o valor apropriado das hipotecas e dos títulos nelas lastreados, que foram colocados no mercado pelas Structured Investment Vehicles (SIVs) por meio de cotas de investimento, e que agora não têm interessados. As cotas reapresentadas para resgate acabaram sendo absorvidas pelos bancos administradores do negócio, mas depois disso esses ativos foram ainda mais rejeitados. Quando cobrado sobre como definir o estrago provocado pela crise, o próprio Bernanke tem dito que o Fed não tem idéia de quanto passaram a valer esses ativos. A necessidade de reajustar para baixo o acervo micado ajuda a explicar por que a cada dia aparece um rombo novo no mesmo banco, correspondente à mesma carteira de ativos.
A falta de clareza sobre o tamanho do rombo tende a manter a trombose do crédito no sistema bancário: ninguém quer emprestar dinheiro para grandes instituições - como Citigroup, Morgan Stanley, União de Bancos Suíços (UBS) e Merrill Lynch - que carregam uma encrenca patrimonial cujas proporções não são conhecidas. E isso tende a manter o clima de insegurança.
Isso define coisas importantes. Uma delas é a de que os bancos centrais dos países ricos, especialmente o Fed, não podem dar-se ao luxo de usar sua política de juros para combater a inflação. A prioridade continua sendo a de despejar liquidez para apagar o fogo, sem olhar demais para o que pode acontecer com as louças arrumadas na cristaleira. Dinheiro farto e inflação mais solta, por sua vez, tendem a manter a derrubada do dólar nos mercados.
E, até aqui, estamos falando apenas do problema imediato, do mercado financeiro e dos bancos. A questão de fundo continua se deteriorando e intocada. Os preços dos imóveis estão em queda nos Estados Unidos, o valor deles já não cobre as hipotecas, o esfriamento da atividade econômica e a perda de emprego estão achatando a renda familiar do mutuário. A inadimplência no crédito imobiliário tende a se agravar.
Esse quadro sugere que os refúgios tradicionais do dinheiro, ainda que mais farto, já não inspiram a confiança de antes. Segue-se que critérios de segurança e risco estão sob duro questionamento. Até que ponto os títulos do Tesouro americano, considerados a aplicação mais segura do mundo, continuarão atraentes num ambiente de juros achatados e de desvalorização acentuada do dólar? É um panorama que favorece o risco e os investimentos em países emergentes, como o Brasil, o que não deixa de ser uma desembocadura boa para um quadro de crise.