Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 19, 2008

Cariocas boicotam o IPTU

E se essa moda pega?

Cariocas ameaçam boicotar o IPTU para cobrar
melhores serviços da administração Cesar Maia


Silvia Rogar

Marcelo Correa Carlos Ivan / AG. O Globo
O prefeito Cesar Maia (à dir.) e sala de aula: a educação é um dos serviços financiados pelo IPTU

Quando assumiu pela primeira vez a administração do Rio de Janeiro, em 1993, o prefeito Cesar Maia ganhou simpatia instantânea da população ao reduzir o IPTU, cumprindo uma promessa de campanha. Agora, o mesmo imposto voltou-se contra o alcaide. O imposto virou arma para o carioca que não quer pagar a conta do caos urbano que vem desvalorizando até mesmo endereços nobres da cidade. Moradores têm se organizado, através das associações de diversos bairros, para boicotar o tributo. Ainda não se pode ter a dimensão do movimento, uma vez que a cobrança começa em fevereiro. Mas não é preciso escarafunchar o Rio para compreender o motivo da insatisfação: construções irregulares se multiplicam, a iluminação pública é falha e há hordas de pedintes nas calçadas, tomadas também por camelôs e mesas de bares.

Marco Antonio Teixeira / AG. O Globo
Ana Tineli, moradora de Vila Isabel, protesta: a idéia é pagar em juízo ou só em novembro

A proposta é pagar o imposto em juízo, ou apenas em novembro. Se a adesão for maciça, a arrecadação municipal sofrerá um baque. Pelas contas da prefeitura, a receita do IPTU chegaria a 1,4 bilhão de reais em 2008, o que corresponde a um quinto do orçamento da cidade. O prefeito começou fazendo escárnio. Divulgou um cálculo segundo o qual a prefeitura vai até faturar, já que o contribuinte que preferir acertar o tributo em novembro, em vez de quitá-lo agora em cota única, com desconto, pagará 30,9% a mais. Depois mudou o discurso e passou a ameaçar suspender investimentos. Não chegou ao cerne da questão. "Não se pode pensar só pelo lado financeiro, mas no exercício de cidadania", diz Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores de Botafogo, bairro da Zona Sul carioca.

Cesar Maia sempre foi um bom administrador. Prova disso é que está completando doze anos à frente da prefeitura do Rio, interrompidos apenas em 1996, quando elegeu Luiz Paulo Conde, na época seu aliado. Ultimamente, no entanto, parece se dedicar mais à internet do que ao mundo real. É através de seu ex-blog, uma espécie de newsletter que manda aos cadastrados em seu site, que ele tem se posicionado diante dos protestos. O IPTU tem sua origem na décima urbana, primeiro imposto predial brasileiro, instituído com a chegada da família real, em 1808, para trazer avanços às cidades. Ajudou a financiar, entre outras coisas, a criação do Jardim Botânico do Rio e de instituições de ensino. Hoje, o tributo destina-se prioritariamente a investimentos em educação, saúde e melhorias para os municípios.

A reação carioca é um fator novo em uma sociedade acostumada a manter certa apatia diante de uma carga fiscal altíssima combinada a serviços ineficientes. Compreende-se que o alvo seja o IPTU. Além de ser um imposto que pesa no bolso da classe média, sempre a mais atingida pela voracidade tributária de todos os governos, seu mau uso afeta diretamente o cotidiano do cidadão. A história mostra que revoltas contra o autoritarismo tributário podem trazer conquistas importantes. A primeira grande rebelião aconteceu na Inglaterra, em 1215, quando barões lideraram um movimento que restringiu a liberdade do rei de criar impostos. Ainda que com séculos de atraso, chegou a hora de levantar esse tipo de bandeira por aqui. O repúdio à má administração é um saudável alerta a todos os governantes.

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