Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 10, 2007

VEJA Entrevista: Ricardo Teixeira

O dono da bola

O presidente da CBF diz que ainda não sabe quanto
custará a Copa de 2014, mas garante que os cofres
públicos não vão colocar nem um centavo


Lauro Jardim

Oscar Cabral

"Faremos uma Copa adequada a um país em desenvolvimento, e não uma cópia de qualquer outra, como a da Alemanha"

As cenas transmitidas da Suíça há duas semanas, nas quais se viam em torno do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, o presidente Lula, doze governadores e três ministros, não deixam dúvidas: aos 61 anos, esse flamenguista que não joga futebol nem por recreação é o dono da bola no país. A escolha do Brasil para sede da Copa do Mundo de 2014 coroou o poder de articulação de Teixeira na Fifa e no mundo político. Há dezoito anos no comando da CBF e com mandato de mais sete, Teixeira terá pela frente a delicada missão de organizar uma Copa do Mundo. As críticas e suspeitas de corrupção vieram de todos os cantos. "Não vamos nos meter em construção de estádios e estradas. O comitê organizador vai cobrar o cumprimento do cronograma", diz. Na semana passada, Teixeira recebeu VEJA para a seguinte entrevista no Rio de Janeiro.

Veja – Há a preocupação generalizada de que a Copa seja apenas mais um cofrão de dinheiro público para os corruptos se refestelarem...
Teixeira – Se, por exemplo, eu sou dono de uma companhia de aviação, e o Brasil constrói um aeroporto superfaturado, a culpa é da companhia de aviação? Isso é um problema de governo. Preste atenção: está todo mundo muito irritado porque fizemos um comitê organizador que não vai ter um tostão do governo. Eu não vou escolher construtora, não vou comprar nada com dinheiro do governo. Isso talvez esteja incomodando muita gente, mas não vai ter dinheiro público. Em resumo, as coisas básicas não terão nenhuma influência do governo. O governo não terá de pagar comida, pessoal, transporte, computador. Na estrutura do Pan, uma série de coisas era paga com dinheiro do governo. Na Copa, não. Agora, se é preciso fazer uma obra de acesso ao Maracanã, é tarefa do governo estadual. Eu não quero e não posso fazer essa obra. Necessariamente, o governo vai fazer as coisas dele fiscalizado pelo Tribunal de Contas. Todos eles que cumpram a lei. Não vamos nos meter na construção de estádios e estradas nem em licitações. O comitê organizador vai cobrar o cumprimento do cronograma. São duas coisas distintas. No Pan, de quem se deveria cobrar se o edifício não estivesse pronto? Do governo e do Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB. Porque os dois estavam mesclados. Tem gente que acha que a CBF é subvencionada pelo governo, que é isenta de imposto, que não paga FGTS, INSS, PIS/Pasep... Pagamos tudo, somos uma empresa.

Veja – O senhor batalhou pela morte da CPI que investigaria as relações do Corinthians com a MSI e a lavagem de dinheiro no futebol. O pretexto foi que isso faria a Fifa mudar de idéia quanto a realizar a Copa no Brasil, mas o presidente da entidade, Joseph Blatter, o desmentiu...
Teixeira – A pergunta não foi feita de forma correta ao Blatter. Vou fazer minhas as palavras de uma pessoa que melhor espelha o conhecimento de uma Copa do Mundo: Franz Beckenbauer. Ele organizou a Copa da Alemanha com grande sucesso, é ex-jogador de futebol, presidente do Bayern de Munique, dirigente esportivo e principalmente membro do comitê executivo da Fifa. O Beckenbauer foi entrevistado pelo Estado de S. Paulo sobre a CPI. E o que ele respondeu? "Não seria algo bom nesse momento. Não seria adequado. O Brasil deveria concentrar-se em organizar a Copa." Se tivessem feito a pergunta correta, será que o Blatter responderia daquela maneira? Se o repórter dissesse que o comitê organizador amanhã poderia ter suas contas abertas para verificar se gastou dinheiro no carro do Blatter, abrir as entranhas de tudo o que aconteceu em uma Copa do Mundo, será que ele daria a mesma resposta?

Veja – Dizem que o senhor temia mesmo é que essa CPI acabasse investigando a CBF, já que os proponentes dela são os mesmos que comandaram a CPI da Nike em 2001, o senador Álvaro Dias e o deputado Silvio Torres. É verdade?
Teixeira – Isso deve ser perguntado aos dois. Alguns parlamentares acham que a lei não vale para eles. O Silvio Torres, por exemplo, teve a sua prestação de contas da campanha do ano passado rejeitada por unanimidade pelo TRE de São Paulo. Esse documento oficial do TRE que tenho em mãos fala em irregularidades insanáveis.

Veja – Por que, afinal, Pelé não participou da pré-campanha nem da cerimônia de indicação do Brasil?
Teixeira – Não existe essa conversa, não é um problema pessoal, isso é invenção. Há uns três meses, ele esteve comigo na CBF. Falamos sobre o projeto Copa. Esse tipo de disputa que tivemos agora foi mais sintonizado no comitê executivo, não era necessária a presença do Pelé, uma figura emblemática.

Veja – Mas a cerimônia festiva de Zurique não ficaria melhor ainda com o Pelé?
Teixeira – E não ficaria também com o doutor Havelange? Também acho que ficaria. Mas o Pelé vai integrar-se, sim, ao grupo que organizará a Copa. Ele não ficará de fora.

Veja – O senhor foi agressivo quando uma repórter perguntou na Suíça se a criminalidade não inviabilizaria a Copa no Brasil. Mas essa pergunta não vai calar, afinal 27 assassinatos por 100 000 habitantes assustam qualquer um...
Teixeira – Talvez eu tenha me exacerbado na resposta, admito. Isso pode ter ocorrido porque sei dos percalços por que passei nessa campanha: outros países queriam tirar a Copa do Brasil, em uma campanha camuflada. Um deles foi o Canadá, país da jornalista que fez aquela pergunta. Agora, se não tiver um pouquinho de sangue na veia para reagir, então eu não sirvo. Um pouquinho eu tenho. Achei meio demais aquela pergunta, sinceramente.

Veja – Tudo bem que o Brasil é o país do futebol, mas era preciso mesmo que doze governadores de estado e o presidente da República estivessem presentes ao anúncio oficial em Zurique?
Teixeira – Foi uma demonstração tácita de apoio governamental de todo o Brasil, independentemente de coloração política. Isso foi o melhor da nossa campanha. Ficou provado que o Brasil quer a Copa do Mundo. Para a Fifa era muito importante essa demonstração. As pessoas se esquecem, ou não sabem, mas, quando a Alemanha foi escolhida, foram à cerimônia o primeiro-ministro, o presidente, o Michael Schumacher, a Claudia Schiffer, o Beckenbauer, o presidente da federação, governadores da Baviera. Na vez da África do Sul, foram o Nelson Mandela e vários políticos importantes. E alguém ainda se lembra de quem defendeu diante da Fifa a candidatura dos EUA? Henry Kissinger. Na campanha da Inglaterra contra a Alemanha fui convidado para jantar com a rainha Elizabeth no Palácio de Buckingham. Esse fenômeno não é brasileiro. É mundial.

Veja – Outros críticos manifestaram temores mais subjetivos, como o potencial uso político da vinda da Copa para coibir a discussão de qualquer assunto negativo no país sob o pretexto de que atrapalha o projeto ou mancha nossa imagem lá fora...
Teixeira – Honestamente? Pensar assim é ridículo, é chamar o povo brasileiro de bobo. Vivemos numa democracia, temos uma imprensa que marca em cima, uma Polícia Federal ativa e uma oposição atuante. Será que o povo ficará entorpecido durante sete anos por causa de uma Copa do Mundo? Quem diz isso faz pouco do povo brasileiro.

Veja – A Copa de 2014 será parecida com a da Alemanha, que foi primorosa na organização, ou será apenas uma Copa "para argentino nenhum botar defeito", conforme a provocação do presidente Lula?
Teixeira – Será uma Copa brasileira, e não uma cópia de qualquer outra. Teremos uma Copa adequada a um país em desenvolvimento. A Alemanha já tinha a infra-estrutura praticamente pronta. Mesmo assim, seis meses antes era um verdadeiro canteiro de obras em vários lugares. A Copa de 2014 será um pouco mais parecida com a dos Estados Unidos na questão dos transportes, para dar um único exemplo. Usaremos muito o avião e nenhum trem. Nos EUA, a seleção brasileira levou o seu próprio avião, para poder disputar a Copa. Confesso que não tenho nenhum temor a respeito da nossa capacidade de organização. Até pela vontade do presidente Lula de querer deslanchar tudo o mais rápido possível.

Veja – Como é a briga na Fifa para um país conseguir sediar uma Copa?
Teixeira – É articulação. Em 1999, fomos candidatos disputando a indicação da Copa de 2006 com a Alemanha e a África do Sul. Ali, fizemos um acordo em que desisti em favor da África do Sul em 2010. A disputa ficou para 2014. Então, a nossa luta foi realmente manter o rodízio de continentes até 2014. Se acabasse o rodízio, obviamente existiria uma gama absurda de candidatos, inclusive da própria Europa, que era como acontecia antigamente. A grande vitória do Brasil foi conseguir manter o rodízio até 2014. Ele já estava para ser modificado. Tanto isso é verdade que agora acabou.

Veja – A conquista dos votos é feita diretamente com cada um dos presidentes das federações de futebol dos 200 países que integram a Fifa? Ou é na cúpula que as coisas se definem?
Teixeira – Tanto para manter o rodízio como para ser bem-sucedido na candidatura, a conversa é com o comitê executivo da Fifa. O trabalho é todo ali. É o espelho do mundo do futebol: são 23 integrantes mais o presidente da Fifa, que tem só o voto de Minerva em caso de empate. São oito votos da Europa, quatro da Ásia, quatro da África, três da América do Sul, três da Concacaf (a Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe) e um da Oceania. Se eu não estivesse no comitê executivo, tudo seria mais difícil. Quem está ali tem mais poder de negociar. Estou no comitê desde 1994. Ou seja, antes desta de agora, já participei da escolha de três Copas – Coréia, Alemanha e África do Sul.

Veja – Circulam as mais disparatadas estimativas sobre o volume de gastos da Copa do Mundo de 2014. Quanto, afinal, ela vai custar?
Teixeira – Ainda é muito cedo para saber. O Carlos Langoni (economista que comandará a parte financeira do comitê organizador da Copa) fez um estudo que estima um gasto em torno de 6 bilhões de dólares. Mas é só uma estimativa. Qualquer número agora é precipitação.

Veja – Por quê?
Teixeira – Por enquanto, dezoito cidades concorrem para ser sedes e subsedes. Se forem doze cidades, como nós queremos, é um custo. Se forem dez, como a Fifa em princípio prefere, o custo é outro. Quando isso for definido, começará a ficar mais fácil saber quanto se gastará. O que nós já temos é o orçamento do comitê organizador: 432 183 737 dólares, que serão usados de janeiro de 2008 até o fim da Copa de 2014, mais um contingenciamento de 10%. Ao contrário do que aconteceu no Pan, todos os itens serão pagos com recursos próprios da Fifa ou da iniciativa privada – do aluguel dos estádios à telefonia e funcionários. Vou dar o exemplo de um item de gasto já orçado: para o aluguel de estádios para a Copa das Confederações, que se realizará em 2013, a previsão é 35 milhões de dólares.

Veja – Mas, só para efeito de raciocínio, se a Copa custar os tais 6 bilhões de dólares estimados por Langoni e o comitê dispuser de apenas 8% desse total, o grosso dos gastos será mesmo bancado com dinheiro público, seja ele federal ou estadual, certo?
Teixeira – Não necessariamente.

Veja – Como não? Obras de saneamento, extensão de metrôs, investimentos em estradas, segurança pública...
Teixeira – Vamos por partes. Um pedaço desses 6 bilhões estimados será investido pela iniciativa privada. É o dinheiro privado que erguerá hotéis em várias cidades, por exemplo. Ou fará a reforma do Morumbi, que é do São Paulo. Assim como a do Maracanã e a do Mineirão – os governadores Sérgio Cabral e Aécio Neves já disseram que farão parcerias público-privadas para a remodelação desses estádios. Por outro lado, não se pode raciocinar sob hipótese alguma colocando algumas obras públicas como um gasto. O que vai ocorrer é antecipação de investimentos. Em 1978, a Argentina não tinha televisão colorida. Por causa da Copa, os argentinos foram obrigados a fazer toda a estrutura de televisão colorida. Anteciparam todo esse projeto em seis anos. Será a mesma coisa conosco. Em Brasília, por exemplo. Lá, o governador (José Roberto) Arruda quer fazer o metrô, do aeroporto até o estádio Mané Garrincha. É o que ele disse: "Ricardo, é uma antecipação do que já seria feito". Ao aplicar em hospital, transporte, saneamento básico, estradas, enfim, o que está se fazendo é antecipar os investimentos. Quanto à segurança, será feito simplesmente aquilo que já é obrigação do estado. Faço questão absoluta de garantir que a de 2014 será uma Copa em que o poder público nada gastará em atividades desportivas.

Arquivo do blog