No entanto, e eis aí o dado mais importante, o governo se viu obrigado a ir além do manejo costumeiro dos seus recursos de poder, simbolizados pela caneta que nomeia e pelas chaves que abrem o erário. Se a isso se tivesse limitado, o desfecho da votação de anteontem poderia ser amargo para o presidente Lula, porque o velho toma-lá, dá-cá não daria conta, sozinho, de neutralizar - mesmo junto aos seus - as pressões da opinião pública, farta de pagar impostos escandinavos por serviços africanos, conforme a clássica analogia. Pior ainda, para sustentar um aparato cujo custo cresce proporcionalmente mais do que a economia nacional. A tramitação da emenda da CPMF no Senado, onde, ao contrário da Câmara, a maioria governista, felizmente para o País, é mobile como a donna da famosa ária de Verdi, deixou claro que, com toda a sua invejável popularidade, Lula pode muito, mas não pode tudo. Foi o que levou os seus operadores a fazer concessões substantivas, primeiro ao PSDB, depois à própria base de apoio.
O que os tucanos não arrancaram, a base obteve: a redução de 0,02% ao ano, a partir de 2008, da alíquota da contribuição dita provisória, que passará gradativamente do atual 0,38% para 0,30% em 2011. Na ponta do lápis, é pouco. Mas, politicamente, é um progresso sensível, um avanço não menos verdadeiro do que a convicção - compartilhada por insuspeitos especialistas - de que, por perversa que seja, e é, a CPMF não pode ser eliminada de um golpe, como reivindicam o empresariado e o Democratas (ex-PFL). Erradicado o tributo, o atual governo deixaria para o próximo, adverte o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, "uma herança ainda pior", formada por um superávit primário menor e pelo aumento da dívida pública como parcela do Produto Interno Bruto (PIB). Isto posto, o preço pago até aqui pelo Planalto por mais quatro anos de CPMF, descontada a compra de apoios no varejo, é lucro para o interesse coletivo: a sociedade impôs ao Estado a sua agenda - em síntese, menos impostos, menos gastança.
Porque o governo teve de ceder mais do que na redução gradativa da alíquota, que lhe custará em torno de R$ 12 bilhões até o fim do mandato de Lula. Comprometeu-se também a isentar da CPMF os salários até R$ 2.894, a apresentar um projeto de reforma tributária até o fim do mês - antes, portanto, da votação em dois turnos da emenda constitucional no plenário do Senado -, a expandir as despesas com saúde em R$ 24 bilhões em quatro anos e a não aumentar o gasto anual com o funcionalismo além de 2,5%, mais a inflação no período. O porcentual ainda é elevado e um ponto acima do previsto no projeto original sobre a matéria. De alguma forma, portanto, a polêmica sobre a extinção ou a manutenção da CPMF colocou no centro do debate a questão dos rumos da política fiscal, cujo calcanhar-de-aquiles são os gastos com pessoal e a Previdência. E esses gastos não cairiam por si se o parecer contra a CPMF fosse vitorioso. Já a adoção de redutores na alíquota do tributo e na taxa de crescimento do dispêndio com o funcionalismo, a que o governo foi compelido por falta de alternativas, demonstrou o equívoco da decisão oposicionista de cortar a conversa com o Planalto.
Se o PSDB tivesse endurecido, certamente conseguiria mais.