Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 15, 2007

Por que o governo cedeu

Foi o de sempre - mas não apenas o de sempre. Para derrubar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado o parecer da representante do Tocantins, Kátia Abreu, do DEM, contrário ao projeto de emenda constitucional que prorroga a CPMF até 2011, que, aliás, não agradou nem aos adversários do imposto, e para aprovar o relatório alternativo do líder do governo Romero Jucá, do PMDB de Roraima - em ambos os casos pela diminuta diferença de 3 votos -, o Palácio fez o de praxe. Substituiu temporariamente por senadores confiáveis dois membros da base aliada na comissão (um deles, o peemedebista gaúcho Pedro Simon, até pediu para ser afastado, como se veio a saber), empenhou em menos de duas semanas R$ 267,8 milhões relativos a emendas de bancadas parlamentares ao Orçamento (mais do que em outubro inteiro e em todos os quatro primeiros meses do ano) e desengavetou pedidos de nomeações (com o que teria conseguido virar o voto de pelo menos um senador, Valter Pereira, do PMDB de Minas, agraciado, às expensas do PT, com um cargo no Incra).

No entanto, e eis aí o dado mais importante, o governo se viu obrigado a ir além do manejo costumeiro dos seus recursos de poder, simbolizados pela caneta que nomeia e pelas chaves que abrem o erário. Se a isso se tivesse limitado, o desfecho da votação de anteontem poderia ser amargo para o presidente Lula, porque o velho toma-lá, dá-cá não daria conta, sozinho, de neutralizar - mesmo junto aos seus - as pressões da opinião pública, farta de pagar impostos escandinavos por serviços africanos, conforme a clássica analogia. Pior ainda, para sustentar um aparato cujo custo cresce proporcionalmente mais do que a economia nacional. A tramitação da emenda da CPMF no Senado, onde, ao contrário da Câmara, a maioria governista, felizmente para o País, é mobile como a donna da famosa ária de Verdi, deixou claro que, com toda a sua invejável popularidade, Lula pode muito, mas não pode tudo. Foi o que levou os seus operadores a fazer concessões substantivas, primeiro ao PSDB, depois à própria base de apoio.

O que os tucanos não arrancaram, a base obteve: a redução de 0,02% ao ano, a partir de 2008, da alíquota da contribuição dita provisória, que passará gradativamente do atual 0,38% para 0,30% em 2011. Na ponta do lápis, é pouco. Mas, politicamente, é um progresso sensível, um avanço não menos verdadeiro do que a convicção - compartilhada por insuspeitos especialistas - de que, por perversa que seja, e é, a CPMF não pode ser eliminada de um golpe, como reivindicam o empresariado e o Democratas (ex-PFL). Erradicado o tributo, o atual governo deixaria para o próximo, adverte o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, "uma herança ainda pior", formada por um superávit primário menor e pelo aumento da dívida pública como parcela do Produto Interno Bruto (PIB). Isto posto, o preço pago até aqui pelo Planalto por mais quatro anos de CPMF, descontada a compra de apoios no varejo, é lucro para o interesse coletivo: a sociedade impôs ao Estado a sua agenda - em síntese, menos impostos, menos gastança.

Porque o governo teve de ceder mais do que na redução gradativa da alíquota, que lhe custará em torno de R$ 12 bilhões até o fim do mandato de Lula. Comprometeu-se também a isentar da CPMF os salários até R$ 2.894, a apresentar um projeto de reforma tributária até o fim do mês - antes, portanto, da votação em dois turnos da emenda constitucional no plenário do Senado -, a expandir as despesas com saúde em R$ 24 bilhões em quatro anos e a não aumentar o gasto anual com o funcionalismo além de 2,5%, mais a inflação no período. O porcentual ainda é elevado e um ponto acima do previsto no projeto original sobre a matéria. De alguma forma, portanto, a polêmica sobre a extinção ou a manutenção da CPMF colocou no centro do debate a questão dos rumos da política fiscal, cujo calcanhar-de-aquiles são os gastos com pessoal e a Previdência. E esses gastos não cairiam por si se o parecer contra a CPMF fosse vitorioso. Já a adoção de redutores na alíquota do tributo e na taxa de crescimento do dispêndio com o funcionalismo, a que o governo foi compelido por falta de alternativas, demonstrou o equívoco da decisão oposicionista de cortar a conversa com o Planalto.

Se o PSDB tivesse endurecido, certamente conseguiria mais.

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