Por que o partido quer tanto retomar o comando
do Ministério de Minas e Energia
Diego Escosteguy
José Cruz/ABR |
Afastado, o ex-ministro Silas Rondeau deve mesmo voltar ao cargo |
Há seis meses, a Polícia Federal descobriu que existia um consórcio de fraudes operando no Ministério de Minas e Energia. Lobistas, funcionários e empreiteiros agiam juntos para saquear dinheiro público. Quarenta e seis pessoas foram presas, entre elas o chefe-de-gabinete do ministério, Ivo Almeida da Costa. O então ministro Silas Rondeau perdeu o emprego, depois de ser acusado de receber 100.000 reais de propina. Dá-se como certo em Brasília que ele vai reassumir o cargo. Espera-se apenas a manifestação oficial do procurador-geral da República atestando sua inocência. O retorno de Rondeau é a demonstração explícita da supremacia do interesse político sobre o interesse público. O Ministério de Minas e Energia é dono de um orçamento bilionário, de uma gigantesca estrutura funcional e, por isso, alvo da cobiça de partidos e políticos de todas as cores. O ex e futuro ministro voltará ao cargo como representante do PMDB, um dos partidos de sustentação do governo.
Um ministro entre os mais ligados ao presidente Lula confirmou a VEJA que o engenheiro Silas Rondeau deverá mesmo reassumir o cargo. "Tudo indica que ele será absolvido de qualquer acusação, e o presidente gosta muito dele." O PMDB comemorou. É fácil entender a razão. Desde a demissão de Rondeau, o partido trava uma disputa subterrânea com o PT pela indicação do novo ministro e dos ocupantes dos principais postos imediatamente abaixo. O Ministério de Minas e Energia é uma mina de ouro, sob qualquer ponto de vista. Para quem precisa empregar apaniguados – o PMDB vive disso –, o ministério tem cinqüenta cargos bem remunerados a oferecer. Para quem não vive sem a intermediação de verbas volumosas, o Ministério de Minas e Energia é um achado. O governo prevê investimentos de 275 bilhões de reais nos próximos três anos no ministério. Para quem deixa sua carreira política gravitar em torno de grandes empreiteiros, o ministério em questão é também um lugar privilegiado. De vez em quando, a casa cai. O desabamento mais recente tem como personagem o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, preso por fraudar licitações e pagar propina a funcionários do Ministério de Minas e Energia. Zuleido Veras, a propósito, é especialmente ligado aos senadores peemedebistas Renan Calheiros e José Sarney, dois dos principais interessados na volta de Rondeau ao governo.
Fotos Jonne Roriz/AE e Beto Barata/AE |
Luz para Todos: o senador Sarney se empenha em indicar afilhado para cargo bilionário |
No mundo ideal das intenções nobres, o Ministério de Minas e Energia também tem seus atrativos. Ele é estratégico para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Obras como a construção da usina do Rio Madeira, em Rondônia, ou o programa Luz para Todos são de responsabilidade do ministério. O mesmo vale para os investimentos em petróleo, gás e biocombustíveis. Somente a Petrobras conta com um orçamento de 33,7 bilhões de reais por ano. A empresa tem uma administração independente, mas está organizacionalmente subordinada ao ministro. "O Ministério de Minas e Energia é a jóia da coroa, não tem nada melhor no governo", resume um ex-ocupante da pasta. "Em volume de negócio, a verdade é que nenhum ministério chega remotamente perto." Só para se ter uma idéia, o Ministério da Saúde, que fica no longínquo segundo lugar, dispõe de 3,7 bilhões de reais para investir neste ano. Além da Petrobras, o ministério engloba estatais de porte como Eletrobrás, Furnas e Eletronorte. Ter as mãos nas alavancas de controle dessa fabulosa engrenagem é um trunfo para qualquer partido político.
Ailton Freitas/Ag. O Globo |
O empreiteiro Zuleido Veras: trânsito livre em ministério e corrupção |
Dois experientes operadores do PMDB que atuam no setor energético contaram a VEJA, sob a condição de anonimato, que tipos de janela podem se abrir quando um partido está no comando do ministério. O ministro, embora não tenha poder de mando direto sobre estatais como Petrobras e Eletrobrás, tem ascendência política para influenciar em projetos e contratos coordenados pelas empresas públicas. "Isso significa, por exemplo, encaminhar empresários amigos a diretores das estatais e participar da feitura de projetos que possam beneficiar empresas dispostas a colaborar com o partido", ensina um dos lobistas. Colaborar, entenda-se, financiando campanhas e, em alguns casos não muito raros, abastecendo contas bancárias pessoais. As investigações da Polícia Federal revelaram que era exatamente assim que agia Zuleido Veras. Ele se aproveitava da amizade com políticos peemedebistas para acessar o alto escalão do ministério, conseguia licitações que beneficiavam sua empresa, não executava a obra e dividia o faturamento com o grupo. É bom lembrar: tudo isso aconteceu recentemente no ministério comandado por Silas Rondeau.
Aliás, o caso da Gautama não é o único envolvendo Rondeau e suas relações não totalmente explicadas com certas empresas. Quando era presidente da Eletronorte, em 2004, ele esteve no centro de uma discussão comercial curiosa. A estatal queria reajustar um antigo contrato de venda de energia assinado com a Alcoa, a maior produtora mundial de alumínio. Havia, porém, divergências quanto aos porcentuais de aumento. Diretores da Eletronorte defendiam um reajuste maior, enquanto Silas Rondeau se alinhou com uma proposta simpática à Alcoa. "No final, sem alarde, venceu a proposta do Silas, que reajustava o contrato, mas num montante pequeno", conta um ex-diretor da estatal. Pode ter sido uma decisão administrativa correta? Sim, pode. Mas ela foi muito boa para a empresa também. Logo depois da assinatura do novo contrato, Rondeau foi visto no restaurante Piantella, em Brasília, ao lado dos diretores da Alcoa – tradicionais doadores de campanha da família Sarney.