A crise energética, que era uma possibilidade real e concreta, agora bate às nossas portas. Esta semana, a Petrobrás cortou 17% do gás fornecido aos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, simplesmente porque o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) exigiu que a estatal colocasse em funcionamento algumas usinas termoelétricas de sua propriedade, entre elas a de Araucária e a Termorio, que geram cerca de 400 MW cada. O sistema precisava da energia gerada por essas usinas para reduzir o fornecimento das usinas hidrelétricas, cujos reservatórios, com a estação seca, atingem níveis alarmantes.
Verificou-se, então, o que todos já sabiam, mas o governo se recusava a admitir: o cobertor é curto. Para tocar as termoelétricas, a Petrobrás teve de cortar parcialmente o suprimento de gás às distribuidoras que fornecem o insumo nos Estados do Rio e de São Paulo.
O Rio ficou sem 1,3 milhão de metros cúbicos/dia e, com isso, ficaram sem o combustível 89 postos de gasolina e plantas industriais da Companhia Siderúrgica Nacional e da Bayer. (O abastecimento foi restabelecido em obediência a liminar obtida pelo governo do Estado.) Em São Paulo, o corte foi de 2 milhões de metros cúbicos e sete fábricas tiveram de ser convertidas para queimar óleo combustível, mais caro e mais poluente.
Assim, fica à mostra a precariedade do sistema energético. Para compensar a falta de investimentos em usinas hidrelétricas, o governo criou um programa de construção de usinas termoelétricas a gás. Mas não levou na devida conta que a maior parte do gás disponível no mercado estava comprometida com empresas que, nos últimos anos, passaram a usar o insumo e com o abastecimento de uma crescente frota de veículos movidos a gás - quase a totalidade dos táxis do Rio, por exemplo, funciona com o combustível. Testes recentes feitos pelo ONS mostraram que cerca de metade da capacidade instalada das termoelétricas não podia ser usada por falta de combustível. Em maio, a Petrobrás se comprometeu com a Aneel a garantir o suprimento. Foi o que tentou fazer esta semana, com os resultados conhecidos.
Enquanto a Petrobrás cortava o suprimento para o Rio e São Paulo, o governo federal anunciava que pretende patrocinar a normalização do relacionamento entre a estatal e o governo boliviano. Na semana passada, o ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia esteve no Brasil pedindo que a Petrobrás volte a investir em seu país. Carlos Villegas tem uma visão muito própria do que aconteceu nos últimos dois anos. A nacionalização das reservas de gás e petróleo, a ocupação militar das instalações da Petrobrás, o aumento dos impostos para 82%, a encampação das refinarias da estatal brasileira, para ele, foram fatos normais. "Em nenhum momento houve ruptura nem tensões de nenhuma natureza." E, no governo brasileiro, há quem concorde com ele. A ponto de cozinhar-se, no Palácio do Planalto, um plano para a retomada dos investimentos, desde que existam garantias contratuais. O ministro interino de Minas e Energia é um dos patrocinadores, ao lado do incorrigível assessor Marco Aurélio Garcia.
A Bolívia se comprometeu com o Brasil e a Argentina a entregar mais gás do que produz. Portanto, o que se pede é que se gaste dinheiro numa aventura - afinal, também existiam garantias contratuais quando Evo Morales deu o calote na Petrobrás. Investimento por investimento, é melhor e mais garantido que a Petrobrás gaste seus recursos no desenvolvimento e exploração dos campos de gás descobertos na plataforma continental e na construção de instalações para receber gás liquefeito, comprado de fornecedores confiáveis.