Gaudêncio Torquato
A tropa de choque dos tempos de Collor e o rolo compressor que FHC construiu para fazer passar o estatuto da reeleição são "fichinha" diante do monumental sistema de forças armado por Lula para levar adiante portentoso projeto de poder. Não são poucos os que perguntam sobre os motivos que garantem tanta eficácia às estratégias de uma administração tão comprometida com denúncias e escândalos. Além das respostas já conhecidas - continuidade da política macroeconômica, estabilidade internacional, programa de cooptação da base da pirâmide, clima alvissareiro ante perspectivas de inserção do Brasil no ranking dos maiores produtores de petróleo -, há um fator a considerar. Diferentemente dos antecessores, que pareciam tatear na escuridão, Luiz Inácio governa com foco. Sabe o que quer e como fazer para alcançar resultados. Traça um caminho e dele não arreda pé. Há meses a CPMF mais parecia a tarefa impossível de Sísifo. Hoje há poucas dúvidas sobre sua aprovação no plenário do Senado. A força do Palácio do Planalto moverá os obstáculos. É o presidencialismo de coalizão adotado na plenitude, deixando claro que poderia ser chamado também de presidencialismo de coação. Debite-se a ele o absurdo de fazer a substituição na CCJ de um senador com perfil de altivez e independência, como é o caso do gaúcho Pedro Simon. Que teria concordado com a manobra.
Não há dúvidas, o governo Lula tem sido mais competente na esfera da política que antecessores. Não fosse esta explicação, teria sucumbido ante a farta listagem de casos escabrosos ao longo dos últimos cinco anos. Luiz Inácio conhece bem o estômago político. Sabe que ele se alimenta de cargos e verbas. E não tem escrúpulos em saciar sua fome. Se há muitos partidos - 11 na base -, aumenta para 37 as Pastas na Esplanada dos Ministérios. Se parlamentares querem grana, precisam, antes, aprovar a montanha da carga tributária. Depois terão direito a um pedacinho do Orçamento para fazer política nas suas regiões. Quem se lembra do mensalão? Eram recursos para "compra" (cooptação) de votos de parlamentares. Será que há muita diferença entre o mensalão e o "emendão" orçamentário para atender à cobiça parlamentar? A corrupção é um desvio institucional, ilegalidade praticada sob o abrigo da imoralidade. Isso ocorre quando as autoridades públicas deixam à margem seu dever e passam a subordinar seus papéis a demandas exógenas, como as de políticos em época de eleição. Maquiavelicamente, é o que faz e continuará a fazer o governo Lula. Sob essa cultura, a semente do status quo da política nunca deu tantos frutos. Há alguma tentativa do governo para modernizar o Estado? Ao contrário, a aposta é a de que, se a extinção do imposto sindical vingar no Senado, conforme foi aprovado na Câmara, o Executivo vetará a medida, recompondo a ferramenta de perpetuação do peleguismo. Há esforço do Executivo para reformar a política? Não.
Além do mais, o presidente apurou o faro para sentir cheiro do ambiente. Percebe que os eleitores perderam a identidade partidária, propiciando condições para uma ligação direta entre o líder e as massas. Como temos pouquíssimas lideranças de peso, ele, Lula, leva a maior vantagem, beneficiando-se, ainda, do pragmatismo que infla decisões pessoais e grupais, do estiolamento ideológico-doutrinário, da pasteurização partidária e de escassos pontos de alta referência social. A frouxidão do vínculo entre o eleitor e os partidos chega ao auge. As crises sucessivas aumentam o fosso entre a sociedade civil e a esfera política. No vazio que se forma, a miríade de pequenas e médias entidades procura articular as forças descrentes.
Só resta aduzir que a vasta planície social e o estreito planalto político favorecem a consolidação do governismo, termo que expressa o exercício autoritário do poder. O maior espaço do multipartidarismo é ocupado por uma constelação de estrelas em torno do Palácio do Planalto, sol que lhes garante a luz. Ademais, a base governista é fragmentada. Nenhuma sigla tem mais de 20% dos assentos no Congresso. O oposicionismo foi praticamente liquidado. Entre os dois partidos que procuram fazer oposição, um, o PSDB, arrefeceu o ânimo, por apostar na idéia de que fará o sucessor de Lula e, desse modo, tem de preservar os cofres cheios. Os governadores José Serra e Aécio Neves, por exemplo, proclamam-se favoráveis à continuidade da CPMF. Já o DEM, antigo PFL, se esforça para aparecer como principal adversário do lulismo. Seu discurso não chega às margens, fica entalado em poucas gargantas do meio da pirâmide. A renovação política é uma quimera. Os cerca de dois terços de perfis novos que chegam ao Parlamento a cada eleição não exprimem renovação. Quando chegam, correm a pedir a bênção ao dono da chave do cofre. Lula vai longe.