Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 11, 2007

Merval Pereira Xadrez energético

LIMA.

O simples anúncio da descoberta de um campo de petróleo e gás com o potencial de nos transformar em um país exportador muda completamente o quadro geopolítico da América do Sul, onde nossa segurança energética estava dependente de um acordo de integração regional que se baseava especialmente no gás da Bolívia e no gasoduto sul-americano projetado por Chávez, além da capacidade de produção de energia da Venezuela, um dos maiores produtores de petróleo do mundo. O “pragmatismo responsável” do governo Geisel foi resgatado pelo comando do Itamaraty, e muitos sapos foram engolidos nos últimos anos em nome dessa segurança energética e, mais amplamente, da integração da América do Sul.

É certo que há uma dose grande de politicagem nesse anúncio repentino, para dar nova força nas negociações com a Bolívia e garantir aos investidores que, se agora temos problemas de apagão do gás, no futuro próximo nossos problemas desaparecerão.

As semelhanças ideológicas entre os governos Lula e Chávez estão cada vez menores, enquanto o PT se aproxima cada vez do chavismo.

A nova força política que o país ganha nas negociações com seu potencial petrolífero fará com que fique mais clara essa diferença entre a política oficial do governo e a do partido oficial, se é que ela existe mesmo.

Ou veremos se, como muitos desconfiam, a diferença é apenas estratégica, não de fundo.

É verdade que, logo que foi eleito, Lula enviou à Colômbia José Dirceu, seu então todo-poderoso ministro, para garantir ao presidente Álvaro Uribe que as posições que o PT defendia em diversos organismos internacionais não representavam a posição oficial do novo governo.

De lá para cá, muitas idas e vindas fizeram com que a política externa brasileira ora se afastasse, ora se aproximasse dos Estados Unidos, sendo que neste segundo mandato a aproximação está mais evidente, e incluindo até mesmo a possibilidade de uma política comum em relação ao etanol, em confronto aberto com os “parceiros” de esquerda como a Venezuela de Hugo Chávez e a Cuba de Fidel Castro.

Os dois países criticam a política do etanol, acusandoa de fazer aumentar o preço dos alimentos e até mesmo provocar a escassez de alguns deles. Há questões de geopolítica nessa reação de Venezuela e Cuba, mas também questões puramente econômicas. A emergência do etanol como combustível alternativo é um problema para os países que, como Venezuela e Bolívia, utilizam seus recursos naturais como fatores de pressão política.

Em médio e longo prazos, os dois países terão sua importância estratégica reduzida.

A Bolívia força uma negociação com o Brasil, que está fragilizado pela situação de momento, mas ganhou fôlego para, em longo prazo, não depender tanto da Bolívia.

As gozações de Hugo Chávez na reunião de presidentes ibero-americana são a demonstração de que ele está incomodado, ou com a nova concorrência, ou com o golpe publicitário do governo Lula.

Ao mesmo tempo, as fábricas de liquefação, que transformam o gás em líquido e possibilitam o transporte em navio, fazendo com que se torne uma commodity, têm efeito paradoxal: se, por um lado, fortalecem a posição da Bolívia, por outro a colocam em situação de dependência financeira, pois não têm dinheiro para implementá-las nem uma saída para o mar, atualmente o grande desafio na relação Bolívia-Chile.

Na Guerra do Pacífico, o Chile derrotou o Peru e a Bolívia, o que traz até hoje repercussões políticas que fazem o Chile participar atualmente da corrida armamentista na América do Sul, cujo principal protagonista é a Venezuela. Esta semana, o Chile devolveu à Biblioteca Nacional do Peru mais de 3 mil livros que haviam sido confiscados naquela guerra.

O que pode indicar que as negociações da Bolívia com o Chile podem um dia chegar a bom termo.

A Bolívia conta com a necessidade de gás do Chile para fazer um acordo a longo prazo. O xadrez político da América do Sul anda em um momento exacerbado, justamente por essa corrida armamentista liderada pela Venezuela, e que já coloca o Brasil como participante.

A assinatura do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares assinado pelo Brasil no governo de Fernando Henrique, muito criticado pela atual administração do Itamaraty, propiciou um clima amistoso na região, que está sendo quebrado pelo estilo belicoso da Venezuela de Chávez, que se prepara para se defender de um suposto ataque dos Estados Unidos.

Um experiente diplomata brasileiro, analisando esse xadrez político, lembra que o governo venezuelano sabe que enfrentar os Estados Unidos militarmente equivaleria ao que os argentinos pensaram poder fazer com a Inglaterra, ao invadir as Ilhas Malvinas.

O verdadeiro irredentismo territorial venezuelano seria contra a Guiana, que eles consideram sua. Por isso, para defender a ex-Guiana Inglesa, os americanos estariam negociando instalar uma base no Suriname, como já estão na Colômbia e no Paraguai.

O curioso é que, se no plano interno as oposições foram apanhadas numa armadilha pelo populismo do governo Lula, em termos de Estado o governo foi apanhado desarmado diante da nacionalização do gás na Bolívia, e da ameaça de nacionalização do petróleo no Equador e de energia na Venezuela.

É a retórica do “mais fraco” contra o imperialista regional, no caso o Brasil. Que agora, com a perspectiva de se transformar num exportador de petróleo, além da política do etanol, passará a ter uma posição de força maior do que a que já existia.

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