O Globo |
7/11/2007 |
Não foi por acaso que no mesmo dia, e separados geograficamente, o presidente Lula em Brasília e o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, aqui em Lima, na reunião da Academia da Latinidade sobre o estado da democracia na América Latina, defenderam as reformas que estão sendo promovidas por Hugo Chávez na Venezuela. Muito além da política de não-intervenção nos negócios internos de outro país, uma tradição do Itamaraty, há o entendimento pragmático de que a Venezuela é tão importante estrategicamente para o Brasil, devido à questão da energia, quanto a Argentina em termos de geopolítica regional. A entrada da Venezuela no Mercosul foi uma iniciativa conjunta de Brasil e Argentina, dentro de um projeto de integração regional não apenas física, mas abrangendo as áreas política, econômica e até mesmo militar. A união tem projetos para a região, como uma empresa de energia comum, um banco de desenvolvimento regional, ou o polêmico gasoduto que cortaria a América do Sul de cima a baixo, que voltou à pauta devido aos problemas de abastecimento de gás. A América Latina tem cerca de oito trilhões de metros cúbicos de gás, e nesse campo o Mercosul seria um parceiro importante, com a Venezuela e o Brasil e a proximidade com a Bolívia. O peso político da região aumentaria pela capacidade de influência na estabilidade do mercado internacional de energia. A idéia de que a América do Sul tem petróleo e gás suficientes para ser um parceiro internacional importante no equilíbrio desse mercado mundial vai ganhando força num mundo em que a questão da energia tem relevância econômica, mas, sobretudo, política. A união das políticas energéticas da América do Sul, inclusive o controverso plano da Venezuela de criar um programa nuclear conjunto, ganha relevo numa situação em que a escassez de matéria-prima e o perigo de corte de abastecimento adquirem caráter acentuadamente político, além do econômico. Um exemplo, para as autoridades brasileiras, de como as questões políticas estão relacionadas com a capacidade potencial de cada país, é o relacionamento com o Irã. Enquanto a Petrobras tem um projeto pequeno com o Irã e o governo brasileiro sofre pressões dos Estados Unidos, o Paquistão, que tem a bomba atômica, tem um projeto com o mesmo Irã, muito mais ambicioso, sem provocar tanta reação. O projeto com maior capacidade de provocar polêmica, principalmente com os Estados Unidos, é o da união no setor de energia e petróleo com a Venezuela, considerada "uma outra Arábia Saudita". Mesmo com a campanha antiamericana que estimula pelo mundo, no entanto, a Venezuela continua sendo responsável por quase 20% do suprimento de petróleo norte-americano, e vai aumentar sua capacidade de produção com o aproveitamento de óleo pesado. Com o barril de petróleo na casa dos US$90, com viés de alta, o poder político de produtores como a Venezuela cresceu muito. O governo brasileiro se preocupa com a tensão criada a partir de uma ofensa de Chávez ao senador José Sarney, o iniciador do projeto do Mercosul quando era presidente da República e que hoje se tornou o principal opositor da entrada da Venezuela no grupo, alegando a chamada "cláusula democrática". A união com a Venezuela pode servir, também, para neutralizar o crescimento da China na América Latina, que já passou o Brasil na venda de manufaturados. Também as empresas brasileiras têm interesses em participar das obras de infra-estrutura da Venezuela, e competem com empresas européias, especialmente espanholas e italianas, que não levam em conta a qualidade da democracia exercida por lá. Nos últimos anos, também a balança comercial com a Venezuela tem pendido muito para o Brasil, que saiu de uma situação de equilíbrio entre importação e exportação para um superávit de cerca de U$3 bilhões. Por outro lado, o governo brasileiro não apenas não se preocupa com o fato de que a Venezuela está se armando fortemente, como entende suas razões. A Venezuela teme uma invasão americana, sendo que os Estados Unidos já mandaram um gigantesco porta-aviões para fazer treinamento de desembarque em frente, em Aruba. Hugo Chávez, além de adquirir jatos russos Sukhoi-30 para substituir seus caças F-16, de fabricação americana, comprou também helicópteros e mísseis terra-ar, está comprando pesado, mas tudo, na visão do governo brasileiro, para garantir a área offshore dela, todas as armas voltadas para o Norte. Além do mais, não faz sentido a Venezuela ameaçar um país amigo como o Brasil, ressaltam os analistas do Itamaraty. O outro país na corrida armamentista na América do Sul é o Chile, que se prepara para enfrentar Evo Morales, que faz exigências sobre a saída para o mar para a Bolívia. Além da presença dos Estados Unidos na Colômbia. O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães aborda a questão da segurança da Região Amazônica como um movimento para se contrapor ao que considera ser uma estratégia americana para garantir a presença militar direta na Região Andino-Amazônica. No livro "Desafios brasileiros na era dos gigantes", ele analisa esse aspecto: "Um componente relativamente novo na questão da segurança da Região Amazônica brasileira é a crescente presença de assessores militares americanos e a venda de equipamentos sofisticados às Forças Armadas colombianas, pretensamente para apoiar os programas de erradicação das drogas, mas que podem ser, fácil e eventualmente, utilizados no combate às Farcs e ao ELN". |
Entrevista:O Estado inteligente
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