Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 09, 2007

Luiz Garcia - Dóceis cobaias




O Globo
9/11/2007

Para estabelecimento de boa-fé, informo que lá em casa coabitamos com um cachorro.
Note-se que humildemente não alego supostos direitos proprietários, nem mesmo algo parecido com aquela relação de autoridade e respeito que os antigos diziam existir entre humanos maduros e os mais jovens da própria espécie. Nosso cachorro faz o que quer- com alguma freqüência, graças a Deus, nos locais a isso destinados - e os bípedes da casa aproveitam a companhia e os momentos de aconchego. Sem queixas de minha parte; afinal, quase sempre descubro onde foram parar as minhas meias.

Espero que esses esclarecimentos bastem para estabelecer minha isenção ao comentar a trapalhada municipal em torno da lei sobre pesquisas científicas com animais.

Na primeira versão, o projeto proibia praticamente todo e qualquer uso de animais em laboratórios. É óbvio absurdo. Tão incompreensível quanto o exagero e a crueldade desnecessária em pesquisas que já foram comuns no mundo todo. Em alguns casos, sempre é bom lembrar - e não foi há tanto tempo como inocentes podem imaginar -, usando humanos como cobaias.

Hoje em dia, a comunidade científica baliza a busca de vacinas e remédios com normas razoáveis: usa-se o menor número viável de cobaias, sempre que possível de espécies mais primitivas, o sofrimento é o menor possível etc. Mais ou menos nessa linha racional e equilibrada foi montado na Câmara um substitutivo que os vereadores aprovaram.

Mas o texto enviado para sanção do prefeito Cesar Maia foi o inicial - por incompetência ou malícia. E ele - por malícia ou incompetência - assinou sem ler. A situação já está praticamente corrigida, aparentemente sem conseqüências graves. Mesmo assim, é bom que os cidadãos fiquem de olho: desta Câmara e desta Prefeitura tudo se pode esperar.

Até mesmo uma cachorrada: como está no verbete do Houaiss, um ato ou comportamento baixo, indecente, indigno, vil.

O episódio merece ficar na memória dos eleitores cariocas como mais uma prova da pouca qualidade da representação política nestas bandas. Pena que seja uma memória notoriamente fraca. Não há como prever até quando os eleitores continuarão a se comportar como cobaias atarantadas - e lamentavelmente dóceis - nas mãos de cientistas malucos.

Vale a pena registrar que o mostrengo municipal tem rabo federal. Nossa tragédia de erros não seria encenada se o Congresso já tivesse aprovado um projeto regulamentando o uso de animais em pesquisas. A proposta existe e dorme há 12 anos na Câmara dos Deputados. Que nem pode alegar que usa todo o seu tempo tratando de questões mais importantes para os cidadãos.

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