Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 05, 2007

Lavoura arcaica


Artigo - Fernando de Barros e Silva
Folha de S. Paulo
5/11/2007

Severino Inácio da Silva é um tipo ideal do miserável rural da era Lula, a começar pelo nome: ele é o sem-terra, ou retirante (o "Severino"), que se "aquietou", como ele mesmo diz, graças ao Bolsa Família (tornando-se um legítimo "Inácio da Silva").
Casado, 30 anos, quatro filhos, morador da zona rural de Caruaru (PE), esse Severino participou de uma invasão de terra em 2002. Desiludiu-se. Hoje tem um boi e três vacas e recebe R$ 78 do governo. Completa a renda com bicos. Tem mês, ele diz, "que o dinheirinho do bico nem pareia com o do cartão".
Personagem de reportagem publicada ontem pela Folha, Severino exemplifica como Lula vem desidratando os movimentos sem-terra. Dados oficiais mostram que caiu muito o número de famílias que invadiram terras no primeiro mandato (redução de 32% entre 2003 e 2006) e despencou o número de famílias acampadas -eram 59 mil em 2003, restaram 10 mil em 2006.
É claro que o Bolsa Família, sozinho, não explica a desmobilização no campo. Mas não há dúvida de que a rede de assistencialismo patrocinada por este governo criou uma espécie de Estado de Mal-Estar Social, capaz de gerenciar a miséria e esvaziar a base humana manobrável pelo MST.
Além disso, ao contrário de FHC, que lidou com a hostilidade dos sem-terra, Lula estabeleceu com eles um convívio menos tenso, ainda que ambíguo, baseado na cooptação e na maior tolerância. Sua política, uma espécie de abraço de urso, é muito mais eficaz para sufocar a rebeldia potencial do movimento.
Sabemos que a utopia dos dirigentes do MST é autoritária e regressiva. Mas não é por causa dela que o campo brasileiro segue sendo um território selvagem. Talvez a hora histórica da reforma agrária tenha passado. O que não reduz a importância dos sem-terra, cujo papel civilizatório reside no enfrentamento dos desmandos da nossa lavoura, embora moderna, ainda tão arcaica.

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