Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada muda cinco diretorias que faziam críticas ao governo
Nilson Brandão Junior, RIO
Mudanças internas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estão provocando polêmica dentro e fora da instituição. Com a chegada do novo presidente, Márcio Pochmann, em agosto, cinco das seis diretorias já foram trocadas, a maior parte em Brasília. No Rio, toda a área de macroeconomia está sendo reformulada.Quatro economistas que divergiam do governo, principalmente na área fiscal, estão sendo desligados da instituição - conforme revelou ontem a Folha de S. Paulo -, o tradicional Boletim de Conjuntura será extinto e o Grupo de Conjuntura Econômica (GAC), que recentemente marcou presença no noticiário com previsões independentes de crescimento, diferentes das feitas pela equipe econômica, e pelos alertas sobre o crescimento dos gastos públicos no País, não poderá mais “fazer recomendações públicas de política econômica”.
Em dezembro, deixam a instituição os economistas Fábio Giambiagi e Otávio Tourinho. Eles são funcionários do BNDES e o Ipea informou que o convênio de cessão vence no próximo dia sete e não será renovado. Giambiagi confirmou que deixa o Ipea, mas preferiu não comentar. Os economistas Regis Bonelli e Gervásio Rezende, especialistas em indústria e agropecuária, também deixam a casa, segundo o instituto, porque já estavam aposentados e vinham ocupando instalações da sede carioca. A questão, segundo um importante quadro do Ipea, é que os dois têm experiência de mais de três décadas no instituto e vinham trabalhando na produção de pesquisas e formação de pessoal mais novo.
Na prática, saem economistas mais liberais ou neoclássicos (ortodoxos), com foco em questões fiscais, e entra um grupo que defende participação maior do Estado na economia. A primeira mudança que refletiu essa tendência aconteceu em setembro. O professor do Instituto de Economia da UFRJ João Sicsú, considerado um desenvolvimentista, substituiu o diretor de macroeconomia Paulo Levy. A mudança interrompeu uma longa trajetória de ascensão de quadros internos ao comando da diretoria, considerada a mais importante da instituição. Giambiagi foi afastado do cargo de coordenador do GAC. No seu lugar, especula-se que deverá assumir o economista Miguel Bruno, hoje lotado na Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do IBGE. Em paralelo, economistas da UFRJ, UFF e Cândido Mendes foram chamados para trabalhar no Ipea no Rio, dizem fontes do instituto.
Na área de macroeconomia, a nova direção extinguiu o Boletim de Conjuntura, publicação trimestral com mais de cem páginas que será substituído por uma Carta do Ipea, bem mais curta (10 páginas). Era justamente no Boletim de Conjuntura que vinham sendo veiculadas as avaliações GAC, algumas das quais divergiam frontalmente da visão de integrantes da equipe econômica do governo. Enquanto, por exemplo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendia que o País chegaria ao crescimento de 5% nos próximos cinco anos, trabalho de integrantes do GAC indicava que isso ocorreria de forma sustentada apenas em 2017.
Na última divulgação do boletim, em setembro, um alerta tratava do avanço dos gastos públicos no País. O texto pregava que o ritmo de crescimento do gasto público deveria ser reduzido já em 2008, sob pena de o País chegar a uma inflação anual de 5% entre 2009 e 2010. No mês anterior, ao assumir o cargo, Pochmann fez críticas ao que qualificou de “Estado raquítico”. O discurso de Pochmann valeu um elogio no site do petista histórico José Dirceu, sob o título “Uma bela estréia”, em agosto.
Essa semana, o Ipea informou que o GAC “não fará em suas publicações recomendações de política econômica. “A atividade do GAC será de pesquisa (stricto sensu) e não de intervenção na conjuntura e/ou recomendação pública de políticas econômicas (o GAC fará recomendações ao governo pelos canais formais quando for solicitado)”. A idéia geral é trocar a visão de conjuntura para análises de médio e longo prazo. Alguns pesquisadores comentam que o boletim do Ipea fazia isso também e se dizem preocupados com as mudanças. Contam que o clima é de desconforto. Segundo um técnico, a impressão é de que as alterações vieram “certamente lá de cima (do governo)”.
“É uma mudança de orientação grande. A mudança essencial é o foco de conjuntura para uma coisa mais de médio e longo prazo. Agora, a visão anterior era a redução do crescimento do gasto público e a visão do novo presidente tem sido contrária a isso. Há diferença clara de visões de desenvolvimento”, disse um dos principais pesquisadores do Ipea.
Para alguns técnicos, que preferem não se identificar, as mudanças geram apreensão. “A mudança de orientação é uma coisa normal, faz parte do jogo”, pondera um outro economista. Ainda assim, as novidades no instituto chamam a atenção de integrantes de outros órgãos do governo e do mercado.
Uma fonte de um órgão da área de economia do governo comenta que as reuniões do GAC eram abertas para economistas de fora do Ipea e as opiniões podiam ser dadas livremente. Ele levanta a tese de que o governo talvez avaliasse como muito liberal a postura.
“Estão trazendo gente de fora, que nunca teve cargo executivo, para conviver com a velha guarda”, comentou. Por meio de sua assessoria de imprensa, Pochmann assegura que quer manter a independência do instituto, pretende torná-lo “cada vez mais plural” e que não haverá cerceamento a pesquisadores.
COLABOROU FERNANDO DANTAS
Independência é marca do instituto desde sua criação
Marianna Aragão
Criado em 1964 pelo ministro do Planejamento Roberto Campos, o Ipea surgiu com o objetivo de “pensar o Brasil”. No início, era simples assessoria do ministério. Em dois anos, passou a fundação pelas mãos do ministro João Paulo dos Reis Velloso. Tido como o segundo “pai” do Ipea, Velloso afirmava que a entidade tinha a proposta de “ser uma fábrica de idéias que não fosse servil ao governo”.
O batismo de fogo da instituição foi a versão final do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), que lançou as bases para o período conhecido como milagre econômico. A partir do fim da década de 1970, voltou-se para os estudos de conjuntura.
A independência tem sido uma das características do Ipea desde sua criação. Durante o período militar, seus economistas produziram estudos muitas vezes contrários à orientação da política econômica. Hoje, faz pesquisas e estudos para dar suporte à formulação e reformulação de políticas públicas.
'No fundo, me fizeram um favor'
Pesquisador afastado do instituto diz que não podia criticar como gostaria
Kelly Lima , RIO
Aposentado desde 1992 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o professor Gervásio Rezende, um dos quatro pesquisadores desligados da instituição, disse que “agora sim” é que vai ser crítico.“Quando a gente está lá dentro, sendo funcionário, tem de aceitar limitações, não pode ficar criticando. Mas agora será diferente. No fundo, me fizeram um favor”, afirmou, ao ser indagado sobre o fato de ter sido afastado do cargo por ter assumido postura crítica dentro da instituição, juntamente com os pesquisadores Fábio Giambiagi, Otávio Tourinho e Regis Bonelli. Segundo ele, já havia uma proposta para que fosse para a Universidade Federal Fluminense (UFF). Rezende está inclinado a aceitar o convite.
O professor afirmou que a justificativa para seu desligamento foi a de haver ilegalidade na manutenção de seu cargo, uma vez que ele era aposentado. “Sou aposentado desde 1992, ocupava lá uma mesinha e fazia o meu trabalho totalmente informal. Poderia sair a qualquer momento e poderia também ser desligado a qualquer momento. Portanto, poderiam ter chegado para mim e dito que era estratégia do grupo na atual gestão suspender contrato com funcionários aposentados e eu entenderia”, relatou.
“Mas a forma como foi colocada a demissão me parece uma decisão que mascara a intenção principal, que seria a de conter divergências políticas”, observou. “É claro que ninguém chegou para mim e disse que estou sendo desligado por ser tucano.”
RENOVAÇÃO
Ele ressaltou ainda que o projeto que vinha sendo desenvolvido pelos pesquisadores Giambiagi e Tourinho, em convênio com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ainda estavam inconclusos, ao contrário do que afirmou o presidente do Ipea, Márcio Pocchmann.
De acordo com Rezende, seria necessário haver uma renovação do contrato. “Muito me admira ouvir dizer que esse contrato também foi considerado ilegal. Afinal, passou pelo (departamento) jurídico do Ipea e do BNDES”, comentou.
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Para Dupas, governo quer resgatar papel do Estado
Economista lembra que críticas de profissionais do Ipea incomodavam os governantes
Adriana Fernandes e Fabio Graner, BRASÍLIA
O economista político e presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), Gilberto Dupas, avalia que as mudanças no quadro de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fazem parte da tentativa do governo de resgatar no segundo mandato de Lula o papel de planejamento estratégico do Estado. Braço mentor dos programas de desenvolvimento dos governos das décadas de 60 e 70, no regime militar, o Ipea, com a democratização do País, perdeu espaço na formulação de políticas públicas e se tornou nos últimos anos um órgão de pesquisa mais voltado à análise de conjuntura econômica.Isso fez surgir um quadro de técnicos com maior liberdade para avaliar a política econômica e criticar o próprio governo.Com o novo formato do Ipea, afirma Dupas, era de esperar mudanças no quadro da instituição. “Aparentemente, o governo Lula está interessado em fazer uma política de maior participação do Estado na definição de políticas de longo prazo do País, e o Ipea é o órgão disponível para isso”, destaca. O movimento ficou mais previsível com a criação do Ministério Extraordinário de Assuntos Estratégicos, comandado por Roberto Mangabeira Unger, para onde o Ipea foi transferido.
“Era natural que o perfil dos técnicos se adequasse a essa nova orientação”, ressalta. Sem querer avaliar as mudanças, Dupas pondera que as críticas à política econômica feitas pelos economistas afastados do Ipea não deixavam o governo numa situação “muito confortável”.
“São críticas importantes. De outro lado, talvez o local mais desejável seja outro”, pondera Dupas, que já trabalhou na coordenação de planejamento do Ipea no fim da década de 1960 e início dos anos 70 e é defensor do resgate da capacidade de planejamento do Estado. Dupas ressalta que essa é a estratégia da Coréia, para se recuperar do declínio rápido com a ascensão da China e da Índia.
Uma fonte com trânsito no governo e no atual comando do Ipea disse que a saída dos economistas já era esperada, porque, na avaliação da ala desenvolvimentista do governo, estaria prevalecendo, sobretudo no Grupo de Acompanhamento Macroeconômico, um pensamento que é considerado próximo da ortodoxia neoliberal. “Era um espaço que não permitia debates”, afirmou a fonte.