Tem encontrado obstáculos não porque faltem recursos públicos para implantar o projeto da Fundação Casa, ou porque falte boa vontade e empenho dos funcionários envolvidos no projeto, mas porque muitos prefeitos não admitem a construção de unidades de atendimento a menores delinqüentes em seus municípios. Preferem despachar as crianças envolvidas em delitos para outras cidades, principalmente São Paulo, livrando-se, assim, de uma responsabilidade que é, claramente, das prefeituras locais. Há mais de mil meninos e meninas em unidades da capital enviados por cidades do interior.
Sem a ampliação da capacidade de atendimento nas regiões de maior demanda e na velocidade ideal, as novas unidades tendem a ficar superlotadas. Nessas condições, é virtualmente impossível separar os meninos reincidentes daqueles levados para a Casa pela primeira vez. Isso não é novo. A superlotação e a promiscuidade fizeram a Febem ficar conhecida, durante décadas, como "barril de pólvora" e "escola do crime". Naquelas condições, não havia a mínima possibilidade de se desenvolver qualquer programa de reeducação dos menores, por mais elementar que fosse. Entre 2003 e 2006, houve 36 motins no Complexo do Tatuapé, o mais problemático da Febem.
A tentativa de desativar os grandes complexos e substituí-los por unidades menores, com atendimento dirigido a cada grupo específico de crianças, tem se arrastado desde o governo Mário Covas, sempre enfrentando a resistência de prefeitos. No mês passado, durante a cerimônia de desativação do Complexo do Tatuapé, o governador José Serra criticou o comportamento desses políticos. "As unidades têm de estar em algum lugar; não dá para colocar em alto mar", afirmou.
A prefeitura de Santo André, no ABC, é um exemplo. Há, na Fundação Casa, cem internos daquela cidade, mas o prefeito não aceita que lá se construa uma unidade. O máximo de boa vontade que demonstrou foi ceder um terreno para a construção da nova unidade a 25 quilômetros de distância da sede do município, em local próximo a Paranapiacaba, numa área totalmente desabitada, o que multiplicaria os investimentos necessários para dotar o prédio da Fundação Casa de infra-estrutura e serviços, e dificultaria o acesso de funcionários e das famílias dos meninos.
O atraso do programa de construção de unidades da Fundação Casa, devido a esse tipo de resistência, tem conseqüências. Há dias, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo e restabeleceu liminar que determina a transferência dos internos atendidos na Unidade Tietê, do Complexo Vila Maria. O STJ julgou ser claro o risco de manter os adolescentes no prédio que, segundo ele, estaria em "completo estado de abandono, sem condições mínimas de higiene e habitabilidade". A Fundação Casa recorreu da decisão alegando que o prédio foi reformado. Mas a verdade é que é praticamente impossível, de uma hora para outra, transferir 500 menores. Na falta de novas unidades, ficariam superlotadas as já existentes, muitas das quais já dão tratamento diferenciado aos internos. A de Arujá, por exemplo, atende unicamente dependentes químicos e todos os seus funcionários foram treinados pela ONG norte-americana Daytop para essa tarefa específica. Esforços como esse não podem ser sabotados por picuinhas políticas nem comprometidos pelos preconceitos de alguns prefeitos.