Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 03, 2007

A Fundação Casa

O governo estadual investiu, neste ano, R$ 501 milhões no atendimento aos 21 mil internos da Fundação Casa, antiga Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem). Construiu 25 novas unidades, quer chegar a 65 até o fim desta gestão, e está introduzindo novas formas de atendimento para crianças privadas de liberdade. Prédios menores do que os usados anteriormente, com capacidade para até 56 crianças, foram erguidos em várias cidades paulistas para que os garotos atendidos permaneçam próximo de suas famílias - uma condição para uma boa reeducação. Além disso, a fundação tem tentado separar os internos conforme a idade, a compleição física e a periculosidade.

Tem encontrado obstáculos não porque faltem recursos públicos para implantar o projeto da Fundação Casa, ou porque falte boa vontade e empenho dos funcionários envolvidos no projeto, mas porque muitos prefeitos não admitem a construção de unidades de atendimento a menores delinqüentes em seus municípios. Preferem despachar as crianças envolvidas em delitos para outras cidades, principalmente São Paulo, livrando-se, assim, de uma responsabilidade que é, claramente, das prefeituras locais. Há mais de mil meninos e meninas em unidades da capital enviados por cidades do interior.

Sem a ampliação da capacidade de atendimento nas regiões de maior demanda e na velocidade ideal, as novas unidades tendem a ficar superlotadas. Nessas condições, é virtualmente impossível separar os meninos reincidentes daqueles levados para a Casa pela primeira vez. Isso não é novo. A superlotação e a promiscuidade fizeram a Febem ficar conhecida, durante décadas, como "barril de pólvora" e "escola do crime". Naquelas condições, não havia a mínima possibilidade de se desenvolver qualquer programa de reeducação dos menores, por mais elementar que fosse. Entre 2003 e 2006, houve 36 motins no Complexo do Tatuapé, o mais problemático da Febem.

A tentativa de desativar os grandes complexos e substituí-los por unidades menores, com atendimento dirigido a cada grupo específico de crianças, tem se arrastado desde o governo Mário Covas, sempre enfrentando a resistência de prefeitos. No mês passado, durante a cerimônia de desativação do Complexo do Tatuapé, o governador José Serra criticou o comportamento desses políticos. "As unidades têm de estar em algum lugar; não dá para colocar em alto mar", afirmou.

A prefeitura de Santo André, no ABC, é um exemplo. Há, na Fundação Casa, cem internos daquela cidade, mas o prefeito não aceita que lá se construa uma unidade. O máximo de boa vontade que demonstrou foi ceder um terreno para a construção da nova unidade a 25 quilômetros de distância da sede do município, em local próximo a Paranapiacaba, numa área totalmente desabitada, o que multiplicaria os investimentos necessários para dotar o prédio da Fundação Casa de infra-estrutura e serviços, e dificultaria o acesso de funcionários e das famílias dos meninos.

O atraso do programa de construção de unidades da Fundação Casa, devido a esse tipo de resistência, tem conseqüências. Há dias, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo e restabeleceu liminar que determina a transferência dos internos atendidos na Unidade Tietê, do Complexo Vila Maria. O STJ julgou ser claro o risco de manter os adolescentes no prédio que, segundo ele, estaria em "completo estado de abandono, sem condições mínimas de higiene e habitabilidade". A Fundação Casa recorreu da decisão alegando que o prédio foi reformado. Mas a verdade é que é praticamente impossível, de uma hora para outra, transferir 500 menores. Na falta de novas unidades, ficariam superlotadas as já existentes, muitas das quais já dão tratamento diferenciado aos internos. A de Arujá, por exemplo, atende unicamente dependentes químicos e todos os seus funcionários foram treinados pela ONG norte-americana Daytop para essa tarefa específica. Esforços como esse não podem ser sabotados por picuinhas políticas nem comprometidos pelos preconceitos de alguns prefeitos.

Arquivo do blog