Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 08, 2007

Freyre, outra vez



Artigo - Kenneth Maxwell
Folha de S. Paulo
8/11/2007

O PRESIDENTE Lula vem sendo muito criticado por suas visitas à África. No entanto é impossível quantificar sua importância em termos materiais. As visitas significam tanto um esforço de recuperação das raízes africanas do Brasil como uma busca de oportunidades de investimento na África. As queixas, de forma semelhante à resposta quase histérica das elites intelectuais brasileiras às cotas raciais, demonstram até que ponto as atitudes quanto à persistente e inescapável herança africana do país continuam ambíguas.
Mas, para quem assiste de fora, o elemento mais estranho no debate sobre cotas que está sendo travado no Brasil é até que ponto a percepção existente sobre as realidades raciais presentes dos EUA sinaliza uma desconexão. O desdobramento mais importante dos últimos 30 anos, de fato, é a maneira pela qual o velho mundo binário de segregação rígida mudou. É verdade, como Gilberto Freyre percebeu com tamanha clareza, tomando por base suas experiências no Texas nos anos 20, que a segregação se baseava em uma visão, nos EUA, de que qualquer proporção de sangue negro fazia da pessoa um negro, enquanto no Brasil a percepção era de que qualquer proporção de sangue europeu embranquecia; de modo que as barreiras raciais, especialmente no que tange a pessoas de origem racial mista, eram colocadas em pontos opostos do espectro nos dois países. Mas um resultado significativo da segregação racial intensa foi promover a recuperação do orgulho racial e da busca da melhora com base na raça, uma força motivadora muito poderosa entre os líderes negros norte-americanos depois da abolição da escravatura.
Por exemplo: quando comecei a lecionar nos EUA, no começo dos anos 70 (o momento máximo do movimento pelos direitos civis), a afirmação do orgulho negro estava encapsulada na frase "black is beautiful", uma recuperação do valor próprio e da autoconfiança cujo objetivo era negar séculos de vilificação, exclusão e racismo científico. Mas, quando voltei ao ensino, três anos atrás, o primeiro pôster que vi em uma caminhada pelo campus de Harvard dizia que "multiracial is beautiful". E o elemento mais notável na sala de aula, para mim, foi o nível elevado de autoconfiança e de conforto social entre os estudantes de múltiplas origens raciais, falando sobre raça e diversidade sem recorrer às velhas categorizações binárias.
Essa é a América jovem, na qual a mensagem de um líder político como Barack Obama, africano e americano a um só tempo, e sem hífen, encontra ressonância, e na qual o jovem Gilberto Freyre se sentiria muito mais em casa do que em Waco, Texas, em 1919.

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