Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 08, 2007

Dora Kramer - A vantagem, Maria não leva



O Estado de S. Paulo
8/11/2007

O recuo do PSDB nas negociações com o governo para aprovar a CPMF, no essencial, não guarda relação com nenhuma das justificativas em cena: não pode ser atribuído ao poder de influência do ex-governador Geraldo Alckmin no partido - como espalha o Palácio do Planalto - nem à insuficiência da proposta de compensações tributárias, como alegam os tucanos propensos ao acordo.

A conta é mais simples: até segunda ordem, prevalece a percepção de que o partido não teria nada a ganhar com a posição de negociador, pois, uma vez feito o acerto, feitas as concessões exigidas, o governo não deixaria ao PSDB os louros da vitória sobre as vantagens conseguidas.

Se o PT e o presidente Luiz Inácio da Silva se apropriaram do Plano Real, que combateram, da estabilidade econômica, que diziam ser coisa da “direita globalizada”, e, mais recentemente, até do instrumento da privatização se valeram, não seria agora que estariam dispostos a deixar o adversário eleitoral ficar com os dividendos políticos resultantes de aumento de verbas para a saúde e de isenções para assalariados até R$ 4.340.

Não seria, portanto, bem um jogo de “ganha-ganha”, como alegavam petistas e tucanos envolvidos na negociação. Ganha o governo, ganhariam os governadores tucanos e talvez uma ou outra liderança em termos de vantagens regionais, mas perderiam os tocadores da política do partido, com mais um episódio de subtração da já combalida identidade oposicionista do PSDB.

Por isso, porque o caso é de política, o partido deverá se manter inflexível quanto à decisão de não retomar institucionalmente as negociações, firmando o pé no campo da oposição.

Isso não quer dizer, entretanto, que o governo corra o risco real de não ter aprovada a CPMF no prazo desejável. Dará mais trabalho e vai requerer movimentos tão mais elaborados quanto diversificados.

São basicamente três. Seriam quatro, mas um deles já foi feito ontem, no exorcismo público à proposta de terceiro mandato.

Primeiro: o Planalto reforçará o discurso de que o PSDB precisa ser coerente com o passado, pois foi o inventor da CPMF, e prudente quanto ao futuro, já que pretende voltar à Presidência da República. Se a situação apertar, joga-se a responsabilidade do risco para o PSDB, atribuindo a ele a ausência de compensações.

Segundo movimento: o presidente Lula faz uma ponte com os governadores do PSDB, principalmente José Serra e Aécio Neves, não para que ambos interfiram nos votos dos senadores - nenhum deles quer briga com a bancada -, mas para que atuem para evitar o fechamento de questão, de forma a permitir dissensões.

Terceiro: trabalha no varejão da base governista, negociando senador a senador e buscando reduzir as perdas no PMDB ao mínimo possível. Com isso, fracassa o plano do governo de imprimir “altivez” às negociações, outra vantagem que seria obtida se o PSDB se dispusesse à parceria, dando ao governo mais esse benefício.

Isso sem a menor garantia de reciprocidade futura quando, e se, as posições se inverterem.

Como, no fim, ninguém tem muita dúvida sobre a aprovação da CPMF, os tucanos resolveram deixar ao governo a solução do problema. Sem se arriscar a ficar sem os bônus e ainda pagar sozinho a conta dos ônus.

Fabulações

O governo inventa suas modas e depois sai procurando alguém para pôr a culpa. Os expiatórios de plantão são os de sempre: imprensa e oposição.

Lula deixou que sua tropa lançasse a idéia do terceiro mandato, semeou o grão e, quando lhe foi conveniente recuar, o assunto virou tema “inventado”, uma “bobagem” de interesse exclusivo dos meios de comunicação carentes de matéria-prima e uma “fabulação” alimentada pela oposição com o intuito de prejudicar o governo e atrapalhar a votação da CPMF.

Acontece que oposição e imprensa não se chamam João nem moram em Niterói. Ou seja, não têm nada a ver com a história, que ganhou corpo depois que o deputado Devanir Ribeiro saiu da festa de aniversário de Lula, dia 26 último, falando no assunto e que o próprio presidente confirmou que o ouvira falando no assunto.

Como a proposta foi mal recebida, com repercussão negativa até no exterior, providenciou-se um exorcismo “fast-food”. Se o demônio está morto ou se é cadáver ainda insepulto, é conta a conferir ao longo de 2008.

Até porque o deputado Devanir Ribeiro não garantiu que retirará sua emenda sobre convocação de plebiscitos mediante vontade do presidente da República, o deputado Carlos William não recuou da sua declaração sobre a prorrogação de mandatos e o PT continua defendendo a convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política.

Além disso, petistas de primeiro time falam sobre as maravilhas da alternância de poder, mas, quando se pergunta a eles se já pensaram seriamente a respeito da possibilidade de voltar a ser oposição, recusam-se sequer a raciocinar sobre a hipótese.

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