A testemunhar a prática estão de prova vários acordos firmados e quebrados para votações no Parlamento, mas há, sobretudo, o notório acerto feito com os governadores no início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio da Silva, quando da prorrogação anterior da CPMF e do apoio às reformas com as quais o governo iniciante precisava sinalizar responsabilidade ao mundo e ao País.
Junto com Lula, os governadores desceram a rampa do Planalto, subiram a do Congresso, avalizaram as propostas e depois ficaram no ora-veja quanto às suas reivindicações, sendo a reforma tributária a principal delas.
Agora, durante as negociações com a oposição para aprovar a CPMF, o PSDB suspeitou que poderia ocorrer o mesmo. Pulou fora (não só por isso, mas também por isso) e o governo fechou, então, um acordo muito parecido com os partidos seus aliados: prometeu redução de alíquota do imposto do cheque, mais verbas para a saúde, isenção para quem recebe até determinado patamar de salário, renegociação de dívidas e contenção nos gastos com pessoal.
O acerto, porém, peca por defeito de fabricação na origem: a ausência de garantias para o cumprimento dos compromissos. Se no dia seguinte à aprovação da CPMF o Ministério da Fazenda resolver esquecer tudo, dar o dito pelo não dito, se o Planalto orientar os líderes no Parlamento a relegar a um segundo plano as medidas que dependem de aprovação, a base aliada fará o quê, romperá com o governo?
Claro que não. Estivéssemos em fim de governo ou se o presidente enfrentasse dificuldades de popularidade, até poderia ser. Mas na realidade presente, acrescida dos constantes gestos para transparecer hipóteses de continuidade no poder, ficarão todos exatamente onde estão.
A oposição, se enganada, ainda ganharia o discurso da cobrança e da denúncia da quebra do acordo, mas os aliados não dispõem desse instrumento, pois estão do lado da concordância e não do contraditório.
Não vamos longe. Logo depois da reeleição de Lula, o PMDB fez um contrato com o governo para justificar sua adesão e tirar dela o caráter fisiológico. Listou sete exigências para aderir: reformas tributária e política; contenção de gastos públicos; fortalecimento da Federação; manutenção das políticas sociais; crescimento econômico acima de 5%; renegociação das dívidas dos Estados; criação de um conselho político para acompanhar as ações de governo.
Tirando os itens vagos, ("fortalecimento da Federação") e os que já faziam parte da agenda do governo (crescimento de 5% e políticas sociais), aos outros o Palácio do Planalto não deu pelota. Não conteve gastos, não se empenhou nas reformas e reúne eventualmente o conselho para comunicar e não para submeter as ações de governo e, ainda assim, só as que lhe interessam.
O presidente já disse mais de uma vez que governar é gastar e do PMDB não se ouviu palavra em reação.
Pois esse parece ser o destino do acordo da CPMF. Se o governo quiser cumprir, muito bem. Se não quiser, restará aos aliados dizer amém.
Donde fica a forte impressão de que se fez um contrato de gaveta destinado a maquiar as negociações fisiológicas (já em marcha) e dar aos senadores uma boa razão para dizer às suas bases que fizeram uma negociação de mérito, mediante critérios altos e com vantagens para o conjunto da população.
Recreação
A sessão de votação da CPMF na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, terça-feira à noite, parecia mais um amigável encontro de colegiais que um embate de forças políticas em torno de um assunto de relevância nacional.
Foram tantos os risos, as piadas e, em alguns momentos, a algazarra, produzidos pelos senadores que o presidente Marco Maciel, ao encerrar a sessão, ressaltou o clima de "recreio", lamentando apenas a falta de "merenda escolar".
Não reparou no senador Flexa Ribeiro, munido de um farnel de "cream crackers" apetitosamente devorados antes as câmeras da TV Senado.
Não se trata de louvar o mau humor - presente nos resmungos que vazavam a todo o instante do microfone da senadora Serys Slhessarenko -, mas de preservar a aludida seriedade do tema ou, então, de exortar suas excelências a compartilharem a razão da alegria com o público pagante.
Treco com H
Por uma falha técnica no teclado do computador, ontem a palavra "trecho" saiu grafada como "treco", numa referência à transcrição de declaração do ministro Nelson Jobim. Urge a correção para não dar margem a inexistente duplo sentido do texto.