Todas as forças jogam o dólar para
baixo – e não há sinal de que a queda
esteja perto de ser detida
Giuliano Guandalini
Quase todas as moedas do mundo se fortaleceram com relação ao dólar desde 2003, quando o comércio mundial entrou em sua atual fase de bonança. Nos últimos doze meses, a moeda brasileira acumulou uma valorização de 22%. A campeã de alta tem sido a coroa eslovaca, que subiu 24% na comparação com a moeda americana. A intensidade e a duração desse movimento ainda surpreendem. No início do ano, os analistas brasileiros de bancos e consultorias econômicas achavam que a moeda americana encerraria 2007 cotada a 2,20 reais. Já na última pesquisa, realizada pelo Banco Central na semana passada, a previsão desses economistas é que o dólar custará 1,80 real no fim do ano. Já se fala numa cotação de 1,50. Até quando vai durar a correção do dólar? Qual o fundo do poço para a moeda americana? Nem os mais respeitados economistas do planeta se arriscam a dizer. O mais forte fator externo que explica o enfraquecimento do dólar está no coração da economia americana. O governo dos Estados Unidos gasta muito mais do que arrecada, e o país, como um todo, importa muito mais do que exporta – desequilíbrios apelidados de déficits gêmeos. Além disso, a crise no setor imobiliário e o fantasma da recessão que ronda os Estados Unidos levaram a uma queda na taxa de juro americana. Isso estimulou os investidores a buscar opções mais rentáveis em moedas de países emergentes.
Mas há também fatores exclusivos do Brasil que ajudam a entender a queda do dólar – e a conseqüente valorização do real. Desde 1999, o Brasil adota o regime de câmbio flutuante. Isso significa que as cotações oscilam ao sabor das forças de mercado. Quando muitos querem comprar o real e poucos se oferecem para vendê-lo, a moeda brasileira sobe. Desde 2003, o saldo na balança comercial do Brasil quadruplicou e hoje supera 40 bilhões de dólares ao ano. E qual é a relação entre a balança comercial e a cotação do real? Toda vez que um produto brasileiro é exportado, os importadores o pagam em dólar, que é convertido para o real. A conversão do dólar em reais valoriza a moeda brasileira. O mesmo vale para todos os outros países exportadores que deixam sua moeda flutuar livremente. Paralelamente a isso, o Brasil tornou-se um dos principais destinos de investidores externos. A qualidade do dinheiro que tem entrado no país não se assemelha à do fluxo antigo, da década passada. Aquele era um capital atroz e especulativo, em busca do lucro fácil, propiciado pelos juros elevados. O país deverá receber cerca de 60 bilhões de dólares em investimentos externos neste ano, somando recursos injetados no sistema produtivo e no mercado financeiro. Há ainda outros 40 bilhões de dólares que entrarão como resultado do saldo comercial.
Em resumo, o Brasil está sendo inundado, em 2007, por uma avalanche de dólares que chegará em dezembro a 100 bilhões, um volume de divisas internacionais sem precedentes. Enquanto o país continuar recebendo investimentos em níveis recordes, a cotação da moeda americana tenderá a perder valor por aqui. É má notícia, sem dúvida, para setores exportadores da economia brasileira. A maneira mais inteligente de encarar a distorção é acelerar o aumento da competitividade do país, ampliando na mesma medida as importações, reduzindo gastos públicos e cortando impostos – nada muito novo, mas que nunca é posto em prática.