Gaudêncio Torquato
Luiz Inácio tem dito que não deseja um terceiro mandato. Por que correligionários teimam em inserir o tema na agenda política? Por conta da dissimulação, que faz do jogo político. Uma anedota de judeus russos mostra o refinamento implícito ao encobrimento das intenções: "Que vergonha, você quis me fazer acreditar que vai a Minsk, mas eu sei que vai mesmo para Minsk." A versão brasileira coloca o matreiro Benedito Valadares se encontrando com a raposa José Maria Alkmin, no aeroporto de Belo Horizonte: "Alkmin, para onde vai você?" Resposta: "Vou para Brasília." O outro arremata: "Ah, sim, para Brasília." Benedito vira-se para o amigo que o acompanha e argumenta: "Ele diz que vai para a capital federal para eu pensar que vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília." A artimanha é conhecida por engano de segundo grau: eu o engano, dizendo-lhe a verdade, para tirar proveito de sua desconfiança. Lula não está muito distante da verdade quando garante ser contrário a três mandatos, e até defende a idéia de um único período de cinco anos sem reeleição. Mas incentiva amigos a inflar o balão-de-ensaio para tirar proveito do escarcéu gerado pela tática.
O plano de Lula é retornar em 2014. Depois de amargar derrotas sucessivas e assistir à escalada e à descida de alguns presidentes, ele aprendeu que a menor distância na política nem sempre é uma reta, mas uma curva. Estivesse disposto a enfrentar dissabores, ele teria condições de conduzir o rolo compressor - uma base de 370 parlamentares - na direção de um plebiscito para aprovar o terceiro mandato, na esteira de mudança constitucional. A base da pirâmide aceita seu discurso. O topo ganha rios de dinheiro. E o meio começa a entrar no pátio das grandes recompensas, com os esquemas de financiamento para as classes médias adquirirem casa própria, com ressarcimento em 30 anos e juros de 8% ao ano. Algumas sobrinhas no bolso melhoram o humor social. A cama econômica está sendo recomposta para abrigar o maior número possível de grupamentos sociais. Não seria difícil arrumar apoio para prolongar a estadia no poder.
O presidente, porém, não deseja ser apontado como o instalador de um modelo enviesado de democracia, assemelhado ao do "companheiro Chávez", da vizinha Venezuela. Lembre-se que ele exibe novo perfil psicológico. Ou seja, vê-se como ex-metalúrgico, mas gostaria de ser lembrado como político contemporâneo avançado, tendo diálogo franco com os mais importantes líderes internacionais, a partir de George W. Bush; esforça-se para ser reconhecido como figura exponencial na vanguarda de defesa dos excluídos; e quer deixar transparente um diferencial, razão por que ambiciona outros epítetos que não apenas o de "pai dos pobres". Não por acaso, considera-se o melhor presidente da História deste país. Ocorre que fatias poderosas do meio da sociedade não concordam com a assertiva. Imagine-se o que um terceiro mandato provocaria no ânimo de formadores de opinião, camadas intelectuais, médio empresariado, profissionais liberais e setores comprimidos pela alta carga tributária. É pouco provável que, ao final de 12 anos, saísse ele, faceiro, pela porta da frente do Palácio do Planalto. O desgaste seria devastador. A eleição de um sucessor, em 2010, faz-se útil e necessária. Lula tem noção do que lhe é apropriado. A Copa de 2014 no Brasil faz parte do jogo.
Nesse ponto, explica-se a tática de petistas, particularmente da veia sindicalista, como o deputado Devanir Ribeiro, de origem no ABC paulista, com o apoio de outras fatias da base, focada no plebiscito. Há uma luta desgrenhada pelo poder dentro do PT. A banda sindical perde terreno. É provável que tenha acertado com o próprio presidente lançar o balão-de-ensaio. Trata-se de ganhar visibilidade e abrir a articulação. Ao fundo, a estratégia: o PT precisa ter candidato próprio em 2010. A ala sindical luta para comandar o processo.
A manobra tem lógica.