Os intelectuais petistas sempre fizeram questão de retratar os liberais (ou neoliberais) como autênticos vendilhões da Pátria. Na condição de liberal convicto, posso afiançar que essa nunca foi a nossa bandeira. Nós não pugnamos pelo fim do Estado (essa é a tese do anarquismo), tampouco queremos um Estado mínimo (há papéis na sociedade que somente o Estado pode exercer) e muito menos desejamos um Estado fraco. Para que o capitalismo funcione eficientemente é necessário um Estado enérgico, que faça cumprir as regras do jogo. Quando isso não ocorre, o mercado se deixa tomar pela autofagia, a livre concorrência deixa de existir e, com isso, o próprio segredo do sucesso do sistema vira uma farsa. Um capitalismo forte não pode abrir mão de um Estado forte, que, tal como um árbitro esportivo, zela para que o jogo transcorra dentro das normas estabelecidas.
O Estado mínimo, ou mesmo inapetente, para os liberais esclarecidos, também é uma utopia irresponsável. O Estado, pela sua natureza impessoal, é o único ente da sociedade em condições de exercer, exclusivamente, serviços fundamentais como justiça e segurança e, em grande parte, educação e saúde.
Um Estado forte, que cumpra, com desvelo e eficiência, essas funções básicas, é, a nosso ver, o Estado ideal. Todo o resto pode e deve ser feito pelos indivíduos, que são livres e soberanos, e, no campo econômico, pela iniciativa privada.
O pensamento esquerdista tem por vício descredenciar a iniciativa privada porque ela, à diferença do Estado, visa o lucro. Eu responderia: ainda bem que é assim. Quem procura ter lucro usa de todo o seu empenho e engenhosidade para cada vez produzir mais, a um custo sempre menor. Não pode explorar os seus clientes nem descuidar da qualidade dos produtos ou serviços que fornece, porque sabe que, se assim for, será devorada pelos seus concorrentes. O Estado, que não enfrenta concorrência, não tem preocupações desse naipe. Assim sendo, fatalmente acabará por ser menos eficiente, ofertando produtos e serviços mais caros e de menor qualidade.
No caso presente - o da privatização da administração das rodovias federais -, todas as empresas e os consórcios que se apresentaram para o leilão, obviamente, não o fizeram por mero civismo ou desprendimento. Todos esperam ter grandes lucros. Fica no ar a pergunta: que importância tem isso? O Estado não tem recursos para manter essas rodovias e, mesmo que tivesse, deveria aplicar esses recursos em áreas mais carentes e fundamentais. Mesmo que o Estado opte por manter tais rodovias sob administração pública, ele jamais lograria fazê-lo com o mesmos custos, padrão de qualidade e excelência de serviços alcançados pela iniciativa privada. Além disso, há um contrato minucioso, assinado entre o poder público e as empresas, estabelecendo, em detalhes, quais os padrões mínimos de serviços exigidos e que grau de qualidade deverão apresentar as rodovias, uma vez nas mãos de particulares. Com toda a certeza, com lucro e tudo, o custo da manutenção dessas rodovias será substancialmente menor do que aquele em que incorreria o Estado se as administrasse diretamente.
Nossa herança ibérica e católica faz o lucro ser algo moralmente condenável. Boa parte dos nossos intelectuais ainda sofre influência desse preconceito. Os anglo-saxônicos, em sua maioria protestantes, não sofrem com dilemas éticos quanto a isso. Essa é uma das razões principais por que o capitalismo se pôde desenvolver com muito mais exuberância na Europa e, em particular, nos Estados Unidos. Max Weber, no livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo - considerado pelos especialistas a obra mais importante do século 20 -, descreve de forma sucinta e brilhante essa condição.
Em que me incomoda o fato de saber que o empresário fulano está lucrando rios de dinheiro com a concessão de uma rodovia, ou qualquer outro patrimônio pertencente ao Estado? O que importa, de fato, é que o bem público está sendo bem administrado, apresenta excelentes condições de uso e o preço de sua utilização está saindo mais em conta do que se ele fosse gerido diretamente pelo Estado. O empresário pode enriquecer à vontade. Isso não provoca em mim inveja, revolta ou qualquer outro sentimento de ordem negativa. O que me interessa, isso sim, é se o contrato entre ele e o poder público foi elaborado de forma imparcial e se ele, empresário, o está cumprindo à risca. Assim fica bom para todos: para os usuários, para o Estado e para o empreendedor.
Urge que nós abandonemos de vez os nossos conceitos negativos quanto ao lucro. O lucro, em si, não é uma coisa ruim. Ao contrário, é a mola propulsora que faz a economia se desenvolver. Sem a perspectiva de obtê-lo, ninguém empenharia o melhor de si em nenhum empreendimento; ninguém aplicaria esforço em seu trabalho; ninguém se valeria de seus talentos, aptidões e engenho na busca de nada.
Muitas outras áreas da administração pública poderiam ser privatizadas e todos ganhariam com isso. Mas se faz necessário, antes de tudo, abolir os enormes equívocos e preconceitos que ainda existem, neste governo, com relação à livre iniciativa.
Viva, portanto, o lucro! Desde que obtido por meios honestos, sem lesar ou prejudicar ninguém, nem à custa de privilégios espúrios concedidos pelo Estado, é ele, enfim, a causa maior do progresso e da riqueza das nações.