Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 12, 2007

Viva o lucro! João Mellão Neto

Com a realização do leilão para a concessão de exploração das rodovias federais à iniciativa privada, o governo Lula finalmente se rende à tese - tão contrária ao pensamento esquerdista - de que o Estado não pode tudo e, por conseqüência, de que ao Estado não cabe tudo.

Os intelectuais petistas sempre fizeram questão de retratar os liberais (ou neoliberais) como autênticos vendilhões da Pátria. Na condição de liberal convicto, posso afiançar que essa nunca foi a nossa bandeira. Nós não pugnamos pelo fim do Estado (essa é a tese do anarquismo), tampouco queremos um Estado mínimo (há papéis na sociedade que somente o Estado pode exercer) e muito menos desejamos um Estado fraco. Para que o capitalismo funcione eficientemente é necessário um Estado enérgico, que faça cumprir as regras do jogo. Quando isso não ocorre, o mercado se deixa tomar pela autofagia, a livre concorrência deixa de existir e, com isso, o próprio segredo do sucesso do sistema vira uma farsa. Um capitalismo forte não pode abrir mão de um Estado forte, que, tal como um árbitro esportivo, zela para que o jogo transcorra dentro das normas estabelecidas.

O Estado mínimo, ou mesmo inapetente, para os liberais esclarecidos, também é uma utopia irresponsável. O Estado, pela sua natureza impessoal, é o único ente da sociedade em condições de exercer, exclusivamente, serviços fundamentais como justiça e segurança e, em grande parte, educação e saúde.

Um Estado forte, que cumpra, com desvelo e eficiência, essas funções básicas, é, a nosso ver, o Estado ideal. Todo o resto pode e deve ser feito pelos indivíduos, que são livres e soberanos, e, no campo econômico, pela iniciativa privada.

O pensamento esquerdista tem por vício descredenciar a iniciativa privada porque ela, à diferença do Estado, visa o lucro. Eu responderia: ainda bem que é assim. Quem procura ter lucro usa de todo o seu empenho e engenhosidade para cada vez produzir mais, a um custo sempre menor. Não pode explorar os seus clientes nem descuidar da qualidade dos produtos ou serviços que fornece, porque sabe que, se assim for, será devorada pelos seus concorrentes. O Estado, que não enfrenta concorrência, não tem preocupações desse naipe. Assim sendo, fatalmente acabará por ser menos eficiente, ofertando produtos e serviços mais caros e de menor qualidade.

No caso presente - o da privatização da administração das rodovias federais -, todas as empresas e os consórcios que se apresentaram para o leilão, obviamente, não o fizeram por mero civismo ou desprendimento. Todos esperam ter grandes lucros. Fica no ar a pergunta: que importância tem isso? O Estado não tem recursos para manter essas rodovias e, mesmo que tivesse, deveria aplicar esses recursos em áreas mais carentes e fundamentais. Mesmo que o Estado opte por manter tais rodovias sob administração pública, ele jamais lograria fazê-lo com o mesmos custos, padrão de qualidade e excelência de serviços alcançados pela iniciativa privada. Além disso, há um contrato minucioso, assinado entre o poder público e as empresas, estabelecendo, em detalhes, quais os padrões mínimos de serviços exigidos e que grau de qualidade deverão apresentar as rodovias, uma vez nas mãos de particulares. Com toda a certeza, com lucro e tudo, o custo da manutenção dessas rodovias será substancialmente menor do que aquele em que incorreria o Estado se as administrasse diretamente.

Nossa herança ibérica e católica faz o lucro ser algo moralmente condenável. Boa parte dos nossos intelectuais ainda sofre influência desse preconceito. Os anglo-saxônicos, em sua maioria protestantes, não sofrem com dilemas éticos quanto a isso. Essa é uma das razões principais por que o capitalismo se pôde desenvolver com muito mais exuberância na Europa e, em particular, nos Estados Unidos. Max Weber, no livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo - considerado pelos especialistas a obra mais importante do século 20 -, descreve de forma sucinta e brilhante essa condição.

Em que me incomoda o fato de saber que o empresário fulano está lucrando rios de dinheiro com a concessão de uma rodovia, ou qualquer outro patrimônio pertencente ao Estado? O que importa, de fato, é que o bem público está sendo bem administrado, apresenta excelentes condições de uso e o preço de sua utilização está saindo mais em conta do que se ele fosse gerido diretamente pelo Estado. O empresário pode enriquecer à vontade. Isso não provoca em mim inveja, revolta ou qualquer outro sentimento de ordem negativa. O que me interessa, isso sim, é se o contrato entre ele e o poder público foi elaborado de forma imparcial e se ele, empresário, o está cumprindo à risca. Assim fica bom para todos: para os usuários, para o Estado e para o empreendedor.

Urge que nós abandonemos de vez os nossos conceitos negativos quanto ao lucro. O lucro, em si, não é uma coisa ruim. Ao contrário, é a mola propulsora que faz a economia se desenvolver. Sem a perspectiva de obtê-lo, ninguém empenharia o melhor de si em nenhum empreendimento; ninguém aplicaria esforço em seu trabalho; ninguém se valeria de seus talentos, aptidões e engenho na busca de nada.

Muitas outras áreas da administração pública poderiam ser privatizadas e todos ganhariam com isso. Mas se faz necessário, antes de tudo, abolir os enormes equívocos e preconceitos que ainda existem, neste governo, com relação à livre iniciativa.

Viva, portanto, o lucro! Desde que obtido por meios honestos, sem lesar ou prejudicar ninguém, nem à custa de privilégios espúrios concedidos pelo Estado, é ele, enfim, a causa maior do progresso e da riqueza das nações.

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