Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 21, 2007

Suely Caldas Deus, Lula e as reformas

No livro Calendário do poder, Frei Betto registra declaração feita pelo presidente Lula em junho de 2003: "Nem o Judiciário nem o Legislativo poderão me impedir de fazer as reformas. Só Deus", afirmou com disposição e bravura para uma platéia de empresários. Depois de 52 meses e 1.560 dias, ao que se saiba Deus não interferiu e nenhuma das reformas foi feita. A da Previdência, única aprovada pelo Legislativo e promulgada pelo presidente em 2004, não valeu, precisa de outra e nem chegou a ser aplicada porque depende da criação de fundos de pensão para o funcionalismo público até hoje não constituídos.

Na verdade, Lula tentou tocar as reformas, mas desistiu em meados de 2005, quando seu governo e parlamentares da base aliada começaram a se envolver em escândalos de corrupção, assunto que se tornou o foco central de preocupação da relação entre Executivo e Legislativo. A agenda das reformas (Previdência, trabalhista, sindical, tributária e microrreformas) foi abandonada, projetos voltados para a construção do País nem sequer foram discutidos, outros nem foram enviados ao Congresso. Desde então governo e parlamentares aliados ocupam a maior parte do tempo em se defender e em bate-bocas com a oposição. Legislar mesmo - razão da existência da Câmara e Senado - só matérias inadiáveis e indispensáveis, como a prorrogação da CPMF, e assim mesmo poucas.

A sensação da opinião pública é de desperdício de um raro e longo período econômico próspero e privilegiado do planeta, em que outros países do naipe do Brasil tiram proveito crescendo a 7%, 9% ao ano, e nosso país, na lanterna da América Latina, não consegue passar de 4%. Faltou ao governo Lula um programa de ação planejado de investimento em infra-estrutura, tranqüilidade, sensatez e equilíbrio na relação com o Congresso e uma agenda legislativa proativa focada na construção, crescimento e desenvolvimento econômico e social.

Mas, se Deus não interferiu - quem sabe decepcionado?-, se imagina que a disposição do presidente para tocar as reformas continua forte como em 2003. Se assim é, este é o momento adequado para Lula dar seu salto político de grandeza, sair do sufoco dos escândalos, exigir dos partidos aliados postura responsável e leal para com o País, exibir estatura de um estadista de olho no futuro, tocar as reformas e tudo o que o País precisa para se tornar próspero continuadamente, como a China, a Índia e outros.

Mesmo com amarras no setor público, o Brasil real prosperou nos últimos anos, o investimento privado deslanchou, a indústria, o comércio, a agricultura e os serviços crescem todo mês, o PIB pode fechar o ano em 4,5%, o ingresso de investimento estrangeiro vai chegar à marca de US$ 30 bilhões, a Bolsa de Valores pode alcançar 65 mil pontos em novembro, a inflação e o risco País estão controlados, as reservas cambiais, ascendendo, até empresas brasileiras investem mais no exterior.

Enfim, há muitos anos não se vê uma conjuntura econômica tão favorável e capacitada para receber as mudanças estruturais que o País precisa. A oportunidade é agora. Se, por um lado, o quadro político não ajuda e os partidos aliados cobram caro para aprovar qualquer matéria no Congresso, por outro, o bom desempenho econômico dá a Lula força política para decretar um basta nesta crescente corrente de chantagem e sabotagem. De tão elevado o preço (político e pecuniário) e tão longo o tempo para negociar qualquer matéria com partidos aliados, o método do toma-lá, dá-cá passou a ser prejudicial à imagem do governo, porque paralisa o Congresso, emperra o desenvolvimento, compromete o futuro do País. Não serve, nunca serviu. É verdade que um partido político não governa sozinho e precisa de aliados para compor maioria no Legislativo, mas não tem permissão do eleitor para desmoralizar o País com transações políticas condenáveis.

Em vez de perder tempo com debates inúteis em fóruns que não chegam a lugar algum, Lula deveria encomendar a grupos de respeitados especialistas projetos para as reformas da Previdência, sindical e trabalhista para começarem a tramitar no Congresso em fevereiro, na volta do recesso parlamentar. E, se introduzir na proposta de reforma tributária, negociada pelo secretário Bernardo Appy, desoneração de impostos que pesam no orçamento da parcela mais pobre da população, estará praticando justiça social e tributária.

Se até o final de seu governo Lula entregar ao País as reformas feitas, com certeza receberá de Deus sua bênção de aprovação.

*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br

Arquivo do blog