Funcionários que exercem iguais funções e dos quais se exige iguais qualificações deveriam ter iguais vencimentos. Como é difícil estabelecer tal critério, alguns juristas dizem que a isonomia se justifica quando os cargos forem "assemelhados", o que contribui para exacerbar as reivindicações.
Ao longo da década de 80, quando o País construía as condições para a democracia, a isonomia se tornou instrumento de grupos corporativos, visando a aumentos salariais que não correspondiam à produtividade, a qual deve servir de base para estruturar as carreiras e os seus respectivos níveis de remuneração. Foi assim que nasceu uma corrida entre os funcionários do Banco do Brasil e do Banco Central, buscando sucessivas equiparações uns com os outros, que pareciam não ter fim. Nem de longe cabia invocar a isonomia, pois o BB e o BC exercem funções bem distintas, que requerem qualificações diferenciadas em seus quadros. Uma explicação para a corrida, embora não a justificasse, era o fato de o BB ter cedido a quase totalidade dos funcionários do BC nos anos iniciais de sua existência.
Na luta contra esses movimentos, ficaram-me muitas lembranças. Uma delas, indelével, foi a reivindicação dos fiscais da Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), que queriam ganhar tanto quanto os fiscais de tributos federais. Alegavam que ambos eram "fiscais" e precisavam ter curso superior para ingressar na carreira. De tão ridícula, a demanda foi das poucas que não prosperaram.
Esse ambiente se transferiu para a Assembléia Nacional Constituinte, que se tornou palco de pressões corporativas de toda ordem - em grande parte vitoriosas -, abrangendo questões relacionadas a prestígio, delimitação de feudos burocráticos e garantia de vantagens eternas.
Por isso, herdamos uma Constituição detalhista que, em vez de se cingir a princípios, trata de matérias que deveriam ser objeto de lei ordinária e até de normas hierarquicamente inferiores. São os casos do local onde deve residir o juiz (art. 93, inciso VI) e de quem deve fiscalizar o comércio exterior (art. 237). Em vez de ser uma verdadeira Carta Magna, a Constituição regula minúcias como o ingresso na carreira e a promoção no Poder Judiciário (art. 93), os cinco tipos de polícia (art. 144) e quejandos.
A nova emenda é típica desse mundo. Se aprovada, acrescentará mais um artigo à prolixa Constituição (o 251) e conterá uma extravagante regra sobre remuneração dos delegados de polícia. Nessa linha, não é estranho que um deputado tenha tentado pegar uma carona e estender o benefício aos oficiais das polícias militares.
Como sempre acontece (foi assim na Constituinte), não se calculou o custo da "isonomia". O deputado relator da proposta preferiu, em vez de assinalar os impactos fiscais da medida, invocar a teoria conspiratória para explicar a menor remuneração dos delegados. Diz que foi uma desforra. É que o setor de inteligência da Polícia Civil teria sido utilizado pela ditadura "para reprimir a ação de adversários políticos".
Os delegados de polícia merecem adequada remuneração, que concilie o peso de suas responsabilidades e as possibilidades orçamentárias dos Estados. O caminho escolhido, o da imposição de benefícios por uma norma constitucional, deriva de exemplos do passado, que asseguraram o êxito de iniciativas semelhantes.
Dependendo da classe funcional e do Estado, os vencimentos dos delegados são um terço ou menos do salário inicial de um promotor de Justiça. A "isonomia" será uma pancada fiscal e tanto, maior ainda se considerarmos que os delegados aposentados reivindicarão o mesmo benefício.
O Ministério Público diz que a proposta é inconstitucional, o que não sensibiliza os parlamentares. Seria melhor perguntar-lhes de onde sairá o dinheiro para pagar a conta. Bem que o Congresso poderia nos livrar de mais esta cara e vexatória iniciativa.