Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 21, 2007

Mailson da Nóbrega O valor da propriedade privada

Do alto de sua vasta experiência, o ex-presidente do Federal Reserve Alan Greenspan afirma, em seu recente livro, que considera "a garantia do direito de propriedade pelo Estado a principal instituição promotora do crescimento".

Não é o que pensa Hugo Chávez, que vai reformar a Constituição da Venezuela para "desmontar progressivamente" o conceito da propriedade privada, a qual não teria lugar na maluquice que denomina "revolução socialista do século 21".

Chávez vai criar cinco tipos de propriedade: a social, pertencente ao povo; a coletiva, de grupos sociais; a mista, com participação do setor privado; a pública; e a privada. O Estado controlará as quatro primeiras e poderá confiscar a quinta "quando afetar os direitos de terceiros ou da sociedade". Na prática, o direito de propriedade vai desaparecer.

A propriedade foi discutida por distintos filósofos ao longo da história. A lista inclui Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Hegel, Hobbes, Locke, Hume, Kant, Marx e Mill. Apenas Marx defendeu a extinção da propriedade privada. E não deu certo.

A venda de propriedades já existia na Suméria. Textos anteriores ao Código de Hamurabi previam penalidades contra o roubo. A noção de propriedade privada está implícita no Sétimo Mandamento: "Não furtarás". Leis romanas fixaram as bases da propriedade privada como hoje é conhecida. A idéia é, pois, mais antiga do que se pensa. A novidade é o direito de propriedade, garantido por instituições que o preservem da ação predatória de governantes e saqueadores.

A propriedade é um conceito abstrato, que abrange a posse de riqueza. Existe direito de propriedade sobre um imóvel, um automóvel, um depósito bancário, um título de crédito, uma invenção patenteada, etc.

O direito de propriedade é aquele reconhecido e garantido pela lei, que o Judiciário faz cumprir. Segundo Armen Alchian, o direito de propriedade é uma forma de "atribuir a indivíduos a autoridade para escolher, em relação a bens específicos, qualquer utilização entre as classes de uso não proibidas". Por isso, o proprietário de um carro não pode dirigi-lo sobre os gramados do Ibirapuera.

O atual direito de propriedade nasceu com as mudanças institucionais do século 17 na Europa, que se espalharam pelo mundo afora. Os governantes perderam o poder de confiscar bens ou de limitar o seu uso legítimo. Um Judiciário eficaz e independente adquiriu o poder de fazer cumprir esse direito.

O direito de propriedade exerceu papel crucial no desenvolvimento. Antes, o investidor não tinha segurança de que seus bens e respectivos frutos lhe pertenceriam. Agora, os benefícios da atividade econômica cabem aos que assumem os riscos de empreender e investir, salvo o direito legítimo dos Estados de tributar a propriedade, a renda e o consumo.

A importância desse direito não foi de todo assimilada pelos países de tradição ibérica. Daí o caso Chávez, que associa essa cultura à confusão mental. A falta de garantia plena desse direito constitui uma das razões pelas quais a América Latina - mais rica que a América do Norte no século 17 - ficou para trás.

No Brasil, a Constituição e o Código Civil mencionam a ?função social da propriedade", conceito que pode prestar-se a interpretações absurdas e ao arbítrio de procuradores e juízes, criando riscos para quem empreende e investe.

Essa qualificação não existe nos países de tradição anglo-saxônica, nos quais prevalece a noção de que a propriedade cumpre sua função social quando o respectivo direito cria incentivos para a sua utilização nos melhores e legítimos usos, produzindo o máximo de bem-estar.

O conceito de "propriedade rural improdutiva" é outra fonte de insegurança. Nas invasões do MST, os protestos costumam cingir-se aos casos de esbulho de uma "propriedade produtiva". Por aí, seria legal invadir uma "propriedade improdutiva". Mesmo que houvesse razões legais para tanto, é ao Estado que caberá decretar a desapropriação, de acordo com a lei e mediante justa indenização.

No Brasil, precisamos melhor definir e proteger o direito de propriedade e entender o seu enorme valor para o desenvolvimento. Pelo menos, malgrado a perigosa tolerância em relação às ações criminosas do MST, podemos estar livres da desgraça que cedo ou tarde vai chegar para os venezuelanos.

*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br

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