Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 21, 2007

João Ubaldo Ribeiro Was für ein Lügner!

Não sei por que, algo me diz que a frase acima ("que mentiroso!", em alemão) será das mais proferidas entre alguns círculos intelectuais de Berlim, nas próximas três semanas, ou coisa assim. Hoje embarco para lá, onde devo passar uns 20 dias. (Receio que nenhum de vocês possa comemorar o fato, porque, a não ser que meu bravo quão idoso notebook negue fogo, pretendo mandar a coluna a partir de lá, não contavam com a minha astúcia.) Como sempre, nessas ocasiões, não sei bem para o que me convidaram e o que vou fazer, mas, apesar de inicialmente atarantado, acabo por não envergonhar Itaparica e os amigos, digo lá minhas coisinhas em que eles prestam atenção.

Há também um elemento de suspense. Nunca expus a magnitude da minha tristeza, durante todos estes anos em que tenho escrito aqui. Vocês não sabem como é melancólico. Ontem ou anteontem mesmo, li por acaso em algum lugar da Internet que recebo vultosas granas de altos (ou baixos, conforme o ponto de vista) interesses. Também participo da conspiração da tirania da mídia e, uma hora destas, quem sabe, bate aqui a Polícia Federal para me levar em cana, assim que toda a imprensa brasileira for indiciada por formação de quadrilha, como é intenso desejo de alguns. Já recebi muitas ordens de meus mentores no PT (sic). Sou pau-mandado do PSDB e tudo o que disse do governo de dr. Fernando Henrique foi para mascarar minha atual condição de agente tucano. Sou um comunista radical, que queria ver Lula abrir logo os trabalhos com a abolição da propriedade privada e, porque ele não fez isso, fiquei frustrado e vingativo. Sou um delegado da direita, ao sórdido serviço da Zelite. Sou uma grande figura humana meio fraca da idéia, que acredita em tudo o que lhe dizem. E por aí vai, já perdi a conta.

É humilhante deitar para dormir e nada disso ter-se materializado. O PT nunca me deu ousadia de me enviar ordens ou instruções, o PSDB idem, nunca me chamaram para conspirar, nenhuma grana jamais pintou. Agora, com a ida à Alemanha - devaneio aqui -, talvez me chamem para pelo menos uma conspiraçãozinha, quem sabe? Conspiração deve ser um barato, com senhas, sinais secretos, comunicação por classificados de jornal, sincronização de relógios, mulheres deslumbrantes e "dark" que, após uma noite de amor ardente, desaparecem na madrugada e nunca mais são vistas, nem na Playboy.

Contudo, creio que, porque conspiração não enche a barriga de ninguém, prefiro uma dessas vultosas somas. Umazinha só já dava para me tirar da exclusão corrupcional (mil perdões, filólogos, mas acho que, pelo andar de nossa vida pública, já estamos precisando desse adjetivo novo, para bem falar sobre nosso país). Meu coração se acelera, quando penso na minha primeira cueca cheia de euros ou meu primeiro mensalão. Com toda a certeza, a primeira corrompida nunca se esquece, não sei se o coração vai agüentar.

Mas sejamos realistas, tudo isso não passa de fantasia. Meu destino não me reserva tais agrados, ai de mim. Vou participar de vários eventos, em alguns dos quais deverei falar ou - como direi? - palestrar. E conheço as platéias alemãs: se alguém não tiver anunciado, com pelo menos dois meses de antecedência (para alemão isso é na última hora), que as perguntas se encerram precisamente às 21 e 48 ou coisa assim, elas são capazes de perguntar até o sol raiar. Cheguei a pensar em inventar umas evasivas metidas a engraçadas, para tourear as perguntas, mas não dá. Se eu chutar em alguma informação, posso dar o azar de um temível brasilianista de Tübingen, que lê todos os jornais brasileiros todos os dias e tem em computador a Biblioteca Nacional, estar presente e se levantar lá atrás para me espinafrar de cima abaixo.

Não, não, tenho de encarar a realidade. E, se quiser fantasiar, que fantasie em outra direção. Quem sabe sair na capa do Der Spiegel, com uma daquelas tarjas de revistas semanais: Der Lügner (o mentiroso). É uma, não se pode deixar de reconhecer e talvez eu me torne festejado e requisitado na Alemanha, onde há mercado para qualquer coisa, para mentir em auditórios e teatros abarrotados, sob gargalhadas e "bravos" gerais. Já ensaiei para as palestras.

- Onde é o melhor lugar para pesquisar para uma tese sobre Jorge Amado que eu estou fazendo? No próximo ano devo ir à Bahia e...

- Bahia, não. Massachusetts. Harvard. No Brasil não tem nada.

- É verdade que, com a ascensão de um partido de esquerda e reformista, os bancos e os ricos passaram a ganhar mais do que nunca?

- É, sim.

- É verdade que no Brasil pode-se ficar embriagado, atropelar e matar várias pessoas e nunca ser preso?

- Eu soube que não há ninguém preso por causa disso.

- Que diz o Parlamento?

- Bem, o Senado passou o ano inteiro sem funcionar, por causa de um presidente que não queria sair, apesar de todo mundo querer.

- E os deputados?

- Os problemas são muitos. Eles só trabalham duas ou três vezes por semana, o tempo é curto.

- Mas também não devem ganhar nada.

- Ganham muito mais do que os daqui, não tem nem comparação.

- Sei, sei... E ninguém faz nada?

- Não, não o povo lá está mais para platéia do que para povo.

- Herr Ribeiro, o senhor não acha que devia guardar essas histórias para sua ficção? O senhor é mesmo um grande ficcionista! Mein Gott, was für ein Lügner! Conte mais, conte mais! Chove de baixo para cima, lá no Brasil?

''''A frase acima ("que mentiroso!", em alemão) será repetida entre intelectuais
de Berlim''''

''''Como sempre, não sei bem para o que me convidaram, mas não envergonho
Itaparica e amigos''''

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