Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 14, 2007

Irã, um dilema americano Luiz Felipe Lampreia

Acabo de regressar de uma viagem aos Estados Unidos. Causou-me forte impressão o debate acalorado que ora se trava naquele país sobre um possível ataque aéreo americano contra o Irã.

A questão tem raiz na perigosa evolução do programa nuclear iraniano e nas atitudes agressivas de seu presidente. Observadores competentes e informados avaliam em 50% as possibilidades de um ataque americano maciço, em combinação ou não com as forças de Israel.

O cenário teria as seguintes etapas:

Impasse completo nos esforços para pôr as instalações nucleares iranianas sob as salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com sede em Viena (Áustria), e para obter qualquer cooperação do Irã com relação às decisões do Conselho de Segurança da ONU.

Recrudescimento das pressões ocidentais, sem o quadro de fratura que se produziu quando da invasão do Iraque, já que a França está hoje em posição muito próxima dos Estados Unidos.

Total recusa do Irã.

Decisão americana de atacar o Irã com sua aviação e seus mísseis. É de notar que os Estados Unidos já têm três forças-tarefa navais posicionadas ao alcance do território iraniano, com capacidade de fogo para destruir grande parte da infra-estrutura civil e militar moderna do Irã.

O que pode parecer fantasioso é perfeitamente capaz de se tornar realidade. O presidente George W. Bush encontra-se em final de mandato, com baixíssima popularidade em razão do ruinoso envolvimento no Iraque. Para tentar restaurar seu prestígio e passar à História como o homem que salvou o Ocidente da ameaça nuclear xiita, ele ordenaria um ataque devastador, que obliterasse as instalações atômicas e industriais persas. Essa decisão seria advogada pelo vice-presidente Dick Cheney, o último dos grandes falcões que ainda resta na Casa Branca. Tudo indica, porém, que os chefes militares americanos e o próprio secretário de Defesa, Robert Gates, são radicalmente contrários a esse curso de ação, pois se dão conta das terríveis implicações de um ataque como esse.

Não é preciso ter todas as informações da CIA e das múltiplas agências de inteligência do governo americano para avaliar as conseqüências de tal decisão. As forças americanas, já assoberbadas pelos conflitos no Afeganistão e no Iraque, teriam de enfrentar uma generalização do conflito em toda a região. O fundamentalismo ganharia novos e mais expressivos mártires, insuflando ainda mais a "jihad" e o terrorismo contra o Ocidente e radicalizando posições em todo o imenso espectro do mundo islâmico. As perspectivas de uma profunda crise no suprimento do petróleo do Golfo seriam muito mais graves que as do choque de 1973, ocorrido em resultado da Guerra do Yom Kippur, entre Israel e os países árabes. Recorde-se apenas que, naquela ocasião, os preços do petróleo subiram cerca de 600% e lançaram os países ocidentais numa recessão aguda, que durou cerca de dois anos. Com a oferta de petróleo muito ajustada à demanda e os preços já muito elevados, a situação poderia tornar-se ainda mais dramática do que a atual.

É claro que a decisão de atacar o Irã só poderia ser tomada com base num raciocínio semelhante ao que levou à desastrosa invasão do Iraque, ou seja, a convicção de que o dever moral dos Estados Unidos é combater diretamente o que é percebido como uma grave ameaça à sua segurança e à paz mundial, sem examinar com realismo e profundidade a amplitude dos desdobramentos. Aí mora o perigo, porque o autor de ambas as decisões seria o mesmo.

Farta da armadilha iraquiana e seu cortejo de morte, a sociedade americana não favorece hoje a abertura de uma nova frente de guerra. Bush pode, contudo, tentar fazer subir a temperatura, no que sempre terá a colaboração do seu colega iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que se especializa em retórica inflamatória. Este vem de protagonizar um triste episódio, ao fazer uma conferência patética na Universidade de Colúmbia, em Nova York, ocasião em que foi insultado pesadamente pelo próprio reitor e por diversas outras pessoas. Felizmente, a polícia de Nova York impediu o presidente iraniano de visitar o local das torres devastadas no 11 de Setembro. Teria sido um poderoso impulso à radicalização de parte a parte.

Há um risco real de que esta questão resvale para o domínio da "marcha da folia", que foi tão brilhantemente estudada pela grande historiadora britânica Barbara Tuchman. Analisando diversas situações passadas, ela tipificou uma síndrome que, por vezes, levou homens supostamente preparados e bem informados a tomarem decisões ruinosas para seus países, mesmo quando tinham consciência do erro que poderiam estar cometendo.

Bush e Cheney devem estar contemplando esta alternativa, subestimando novamente o cortejo de horrores que pode resultar de um ataque devastador ao Irã. Foi o mesmo que aconteceu em 2003, quando se tomou a decisão de invadir o Iraque, achando que as tropas americanas seriam recebidas com flores e permaneceriam longamente no país para conduzi-lo pacificamente à democracia e à prosperidade, como havia sido feito no após-guerra com o Japão e a Alemanha. Qualquer observador informado, mesmo muito longe de qualquer informação privilegiada, poderia ter previsto o desastre que se seguiu, como muitas pessoas o fizeram aqui, no Brasil.

Espera-se que a má experiência do Iraque tenha criado suficientes anticorpos para impedir um ataque ao Irã. Parece-me óbvio que, se ocorrer, este novo erro pode potencializar o desastre e comprometer a paz e o equilíbrio econômico internacionais. Mas, em conclusão, creio que se produzirão resistências tão fortes que acabarão por impedir mais um capítulo da marcha da folia.

Arquivo do blog