Logo em seguida, tratou das finanças do Estado. E o modelo foi o também bolivariano Evo Morales. Na semana passada, decretou o virtual confisco das rendas das empresas - inclusive a Petrobrás - que exploram petróleo no país. Há um ano, o imposto sobre a renda excedente do petróleo havia sido elevado para 50%. Correa elevou a alíquota para 99%, o que significa que as petroleiras terão de se contentar com um preço de cerca de US$ 24, quando o barril é vendido por cerca de US$ 80 no mercado spot. O governo fica com a diferença.
Não bastasse essa medida expropriatória - que, aliás, foi mais ousada do que a adotada por Evo Morales, que se contentou com 82% -, Rafael Correa anunciou que os contratos com as empresas petrolíferas serão alterados. Atualmente, as empresas têm uma participação que varia de 20% a 80% do petróleo que produzem. Investem em pesquisa, exploração e desenvolvimento dos campos petrolíferos e ficam com uma parte do petróleo extraído, como remuneração. Correa quer que essas empresas passem a ser meras prestadoras de serviço, recebendo uma quantia fixa. Assim como Evo Morales, não fala em indenizar as petroleiras pelos investimentos que fizeram.
O governo equatoriano convocou as empresas para uma reunião, na segunda-feira passada, na qual seriam expostos os termos da mudança contratual. Ninguém compareceu. O ministro de Minas e Energia explicou que os executivos não compareceram porque estão discutindo com as suas matrizes no exterior as recentes mudanças.
De fato. Mas a ausência em bloco das petroleiras à reunião pode também indicar que Rafael Correa deu um passo maior que as pernas. As grandes empresas petrolíferas aceitaram aumentos de impostos e mudanças contratuais impostas pelo coronel Hugo Chávez porque na Venezuela existe uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Apenas duas empresas, com participação muito pequena na produção local, se retiraram da Venezuela. A Exxon está acionando a PDVSA para ressarcir-se de prejuízos, mas continua operando no país. Na Bolívia, o rompimento de contratos foi tolerado porque as principais companhias envolvidas têm compromissos firmes de abastecimento de gás com a Argentina e o Brasil.
Mas no Equador a situação é outra. A produção equatoriana é a quinta da América Latina, atrás da Venezuela, México, Brasil e Argentina. A estatal PetroEquador extrai 50% do petróleo produzido no país, sendo o resto dividido entre quatro empresas. A Petrobrás, por exemplo, extrai apenas 6,24% do petróleo equatoriano. A operação no Equador tem pouco peso econômico para essas empresas e elas podem decidir não tolerar a quebra de contrato. Se isso ocorrer, as fontes de financiamento e de assistência técnica se fecharão para o Equador.
Rafael Correa faz um jogo arriscado. As medidas que adotou sinalizam o crescimento do nacional-populismo na América Latina - e isso certamente terá reflexos negativos em outros setores da economia globalizada.
Só o chanceler Celso Amorim não percebe isso. Ele estava em Quito quando Rafael Correa anunciou o esbulho das empresas petrolíferas. Não protestou contra a quebra de contrato e contra o confisco de renda da Petrobrás. Ao contrário, adiantou-se a qualquer decisão da empresa - que tem mais de 400 mil acionistas, cujos interesses precisam ser protegidos - e decretou: "O importante é que a Petrobrás quer estar aqui." Assim como fez quando Evo Morales estatizou as operações da Petrobrás na Bolívia, o chanceler anunciou o que o governo brasileiro fará diante de mais esse abuso: nada. O Brasil, mais uma vez, curva-se ao atrevimento bolivariano.