Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 14, 2007

A importância dos próximos três anos Pedro S. Malan

Em 36 meses mais, o Brasil elegerá um novo presidente e o governo Lula, para efeitos práticos, estará chegando ao fim, como sói acontecer nas democracias. Um fim que, na prática, pode ser antecipado se o presidente, como sugeriu outro dia, resolver licenciar-se do cargo algum tempo antes das eleições, para se dedicar àquilo que mais gosta: campanha eleitoral. O que já vem fazendo há anos, inclusive no exercício da Presidência.

Há outra hipótese, acalentada por muitos no PT e aliados: uma Assembléia Constituinte especialmente eleita para a reforma política, que por maioria simples (e influenciada por devidamente organizadas mobilizações de "movimentos sociais" e bem financiadas "campanhas pelo 3") poderia mudar a Lei Maior, até mesmo quanto ao futuro mais imediato do presidente Lula (2010, e não só 2014). Como ele mesmo teria dito: "Quem sabe?"

Creditemos esta retórica pergunta ao bom humor presidencial ou, talvez mais importante, a seu desejo de manter minimamente coesas em torno de sua liderança pessoal as suas vorazes bases de sustentação política - o que depende de expectativas de compartilhar poder, presente e futuro. Afinal, foi o próprio presidente que afirmou, em entrevista a este jornal, que "aquele que se acha insubstituível" pode ficar tentado a procurar se tornar um "ditadorzinho", prolongando até onde for possível a sua permanência no poder. Casos exemplares não faltam na História passada e presente, na nossa região e no mundo.

Entretanto, na democracia que estamos construindo entre nós estão certamente a aceitação da incerteza sobre os resultados do jogo político, mas num quadro de respeito a regras e procedimentos que distinguem um regime democrático de um regime não democrático. Apenas no primeiro os cidadãos sabem de antemão que podem mudar de governo de forma pacífica. Apenas no primeiro é aceita a necessidade de antepor limites ao exercício do poder, mesmo quando este emerge de uma maioria. Apenas em regimes democráticos se reconhece a fecundidade do debate público, se toleram e prezam a diversidade e o pluralismo, se condenam excessos de conformismo e se confere absoluta prioridade à liberdade de expressão de opiniões, por meio de uma imprensa livre e independente das pressões do governo.

Felizmente, em sociedades abertas economicamente mais complexas, como o Brasil, "muitos dos participantes têm apenas opiniões iniciais aproximadas e um tanto incertas sobre questões de políticas públicas... posturas mais definidas emergem apenas no curso das análises e debates sobre os temas... como resultado, posições finais podem ficar a alguma distância daquelas inicialmente mantidas - e não apenas como resultado de compromisso político com forças opostas". Mas sim como resultado de mudanças no clima de opinião a respeito dos temas em debate.

A observação acima é de um velho mestre, A. Hirschman, foi feita há mais de 20 anos, retém não apenas surpreendente atualidade no geral e, mais importante, traduz o que vem acontecendo no Brasil ao longo destas últimas duas décadas, e em especial nos últimos cinco anos, num processo que precisa consolidar-se para beneficio do País. Daí a importância dos próximos três anos. Não tanto porque ao fim deste período o Brasil terá um presidente novo (quem sabe?) por mais quatro anos. Mas porque os termos do debate eleitoral de agora a 2010, já que este foi antecipado em três anos pelo petismo, não são irrelevantes para o futuro do País.

Esperemos que seja possível recuperar um mínimo de senso de perspectiva. Como disse L. Summers em entrevista recente, "é preciso estar preparado para observar longas cadeias de causas e conseqüências... pensar e debater um problema, considerar as propostas para sua solução não significa que este será rapidamente resolvido. Mas o debate afeta o clima de opinião e as coisas podem evoluir da condição de inconcebíveis para a condição de inevitáveis".

Na minha outra encarnação, como ministro da Fazenda de um governo do qual tive orgulho de participar, utilizei com freqüência um bordão: "O Brasil mudou, o Brasil está mudando, o Brasil vai continuar a mudar, apesar e por causa de seus inegáveis e inúmeros problemas, porque não temos escolha, como sociedade, senão enfrentá-los. Sem messianismos, excessos voluntaristas, ilusões de autoridade e visões de curto prazo sobre o futuro."

Um futuro de médio e longo prazo, cuja construção é sempre coletiva, exige um mínimo de memória e consciência social do passado. Há que preservá-las. E reconhecer de maneira não envergonhada quando se vem mudando de opinião.

Como Lula, como parte de seu governo e como parte de seu partido vêm mudando há cerca de cinco anos. Não há desdouro algum nisso. Ao contrário. Por exemplo, como fez o atual ministro da Justiça, em abril de 2003, ao afirmar: "O PT chegou ao governo com 53 milhões de votos, mas seu programa é aceito por um terço da população, não por 60%. Por isso todos têm que mudar."

Esta visão, viu-se depois, era claramente minoritária no âmbito da direção do partido e de sua militância. Mas não menos verdadeira. Tanto é assim que o processo de mudança, que iniciou tímido e discreto curso em meados de 2002, continuou até 2006, quando ambivalências até hoje não resolvidas reduziram em muito o ritmo de sua evolução. A ponto de muitos se perguntarem sobre os riscos de o pêndulo, em algum momento, começar a se movimentar na outra direção.

A importância dos próximos três anos - e dos quatro que se lhe seguirão - reside exatamente na oportunidade histórica de nos livrarmos de vez dos mais primitivos falsos dilemas e de reduzirmos a extensão e a profundidade destas ambigüidades não resolvidas, particularmente onde elas se apresentam de forma mais aberta no imaginário e na prática deste governo e de suas bases: o papel do setor público no processo de desenvolvimento econômico e social do País.

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