Cineasta prepara novo filme, lança livro e é homenageado em retrospectiva
O cronista e comentarista que hoje fala com 50 milhões de pessoas no rádio, no jornal e na TV vai ter seu lado cineasta revisto a partir de terça-feira com a abertura no CCBB da mostra “Arnaldo Jabor: 40 anos de opinião pública”.
O título homenageia seu primeiro longa-metragem, “A opinião pública”, que aborda questionamentos da classe média. Com curadoria de Eduardo Ades e Mariana Kaufman, terá exibição de filmes e de programas de TV, e debates, um deles com Jabor, que prepara novo filme, 16 anos após “Amor à primeira vista”, feito para as TVs francesa, italiana e inglesa.
“A suprema felicidade” será uma espécie de “Amarcord”, inspirado em reminiscências do cineasta.
Mauro Ventura
O GLOBO: Como é este novo filme?
ARNALDO JABOR: Chama-se “A suprema felicidade”. Não é autobiográfico no sentido literal, mas é uma espécie de “Amarcord” brasileiro. Passase naquele período, fim dos anos 50, em que o Rio vivia um momento muito feliz, especial, esperançoso. As coisas pareciam que iam dar muito mais certo do que deram. Havia o surgimento de uma vida urbana, tinha a bossa nova, o chorinho, a liberdade sexual. É um filme de reminiscências, da minha infância na Urca, para onde fui aos 10 anos. Divide-se entre a vida angustiante da família e a liberdade que havia fora. É a história de um rapaz entre 10 e 18 anos. É o que na literatura se chama de romance de formação. Retrata a formação desse adolescente, a descoberta da sexualidade. Tem uma cena no Mangue. É a história desse rapaz, da família e da cidade ao mesmo tempo.
Mostra as pessoas em volta dele, o avô malandro, típico carioca, que tocava em orquestra de zona e era casado com uma polaca da Lapa. Tem os tipos cariocas, o pipoqueiro, o vendedor de bilhete da loteria, o garrafeiro. E tem o lado infantil, do colégio jesuíta. Vai ser produzido pelo Francisco Ramalho Júnior. É um filme muito musical. Vou chamar os melhores chorões para trabalhar. Tem uma coisa carioca forte, musical, um visão comunal que hoje está muito escondida. Atualmente ela está muito mais no subúrbio que no Leblon. A alegria está no Méier, onde eu nasci.
Por que falar desse período?
JABOR: Quero falar das minhas lembranças boas, quero falar de felicidade. Você liga o rádio e só vê bode. Liga a TV, aparece uma paisagem linda, falam da geleira, mas aparece alguém dizendo que elas estão derretendo. Não tem curtição nenhuma. Tem sempre um ecólogo dizendo que vai acabar. Moro em São Paulo, mas vou muito ao Rio. Aqui em São Paulo tem uma pujança, uma atividade noturna e cultural muito intensa. O Rio está muito deprimido. Por isso quero falar do Rio feliz, do meu Rio, do meu Brasil. O filme é cheio de esperança. A gente está sentindo falta disso. A barra está muito pesada. É importante falar da ternura, do emocional.
Por que voltar ao cinema, depois de tanto tempo?
JABOR: Vou fazer por prazer, não preciso mais viver de cinema. E quando você trabalha com cobra você acaba envenenado. Falar só de Renan Calheiros, Wellington Salgado, Almeida Lima, Romero Jucá faz mal à saúde. Fiquei até doente, tive uma infecção estranhíssima. Estava muito mexido. Quem trabalha no Butantã acaba mordido. Estou com vários processos em cima, mas me orgulho deles, só me honram. Fico orgulhoso de estar sendo processado por pessoas e entidades de quinta categoria. Isso só me enobrece. E tudo que eu faço é muito sozinho, ao contrário de cinema. Política faz mal à saúde.
Mas fazer cinema no Brasil também não faz mal à saúde?
JABOR: Faz. Cinema mata, porque fica oscilando entre dois sentimentos: ansiedade e frustração. O esforço de fazer cinema no Brasil é muito grande, tudo conspira contra. Entre 1980 e 1988 morreu um porrilhão de cineastas, de Glauber Rocha e Leon Hirszman a Joaquim Pedro de Andrade e Fernando Coni Campos. Collor foi o tiro de misericórdia.
Em que pé está o novo filme?
JABOR: Estou acabando de escrever o roteiro, feito com Ananda Rubinstein, formada em ciência política. Daqui a uns 20 dias está pronto. Já estamos captando patrocínio, já tem distribuidora americana. Não é um filme muito caro, mas tem muito ator, depende muito da qualidade dos intérpretes. Tenho alguns em mente. Não quero atores muito conhecidos, mas não posso adiantar os nomes porque não falei com eles ainda. A idéia é filmar em maio.
Seu primeiro longa-metragem, “A opinião pública”, está completando 40 anos. Qual o balanço que você faz do filme?
JABOR: É muito importante porque retrata o comportamento da classe média quando ela não era importante. À época, só se falava de burguesia e proletariado. Era um documentário em pretoe-branco que estreou em nove cinemas do Rio e foi muito bem recebido.
'Sou um mercador de sentido', define-se Jabor
Cineasta não perde nenhum filme de Wong Kar-Wai e diz que Karim Aïnouz é um talento
Qual seu melhor filme?
JABOR: “Tudo bem”. É o melhor trabalho que já fiz. Se algo fica na minha pobre vida, é ele. E a Casablanca realizou um trabalho magnífico de revitalização, que fez com que o filme ficasse exatamente como eu queria. O som e a imagem não tinham qualidade. “Eu sei que vou te amar”, acho muito legal, é o filme mais trabalhado do ponto de vista da ourivesaria, mais bem-acabado cinematograficamente. Fez cinco milhões de espectadores, falava sobre desejo, amor, busca de carinho. Era uma grande discussão da relação. Transformei a história num romance, que acaba de chegar às livrarias. “Toda nudez” também ficou, tem uma verdade de sentimentos extraordinária, uma vitalidade que resiste.
“Pindorama” foi um fracasso de público e de crítica...
JABOR: Não deu certo, foi feito sem prática profissional, tinha que se esconder da Censura.
Mas tem um valor histórico e cinematográfico. Foi danificado pela época em que foi feito.
O que você tem visto de bom nos cinemas?
JABOR: O último filme lindo que vi foi “Santiago” (de João Moreira Salles). Adoro “Madame Satã” e “O céu de Suely”, o Karim Aïnouz é um talento. “O cheiro do ralo” (de Heitor Dhalia) é extraordinário. Tem aquele Sérgio Machado, seu “Cidade Baixa” é bem-feitérrimo. “Tropa de elite”, não sei se é bom ou ruim, mas achei interessantíssimo. A gente vira personagem do filme. O outro filme do José Padilha, “Ônibus 174”, é uma obra-prima. O Brasil é um país muito cinematográfico, há uma espécie de epidemia de cineastas.
Muitos filmes nacionais não estão repetindo a temática do Cinema Novo, denunciando miséria, violência, injustiça?
JABOR: Sim, mas de forma não tão brechtiniana, não tão crítica. O Cinema Novo era mais intelectualizado em relação a isso. Os de hoje são mais viscerais, o impacto da violência brasileira é mostrado de maneira não lapidada, não é teorizado, é jogado na cara da gente, o que pode ser bom ou ruim. Os do Cinema Novo eram mais analíticos que propriamente viscerais.
E filmes estrangeiros?
JABOR: Não perco nenhum do Wong Kar-Wai, é o cineasta mais interessante que tem por aí. Um filme interessantíssimo que vi foi “A vida secreta das palavras”. Mas sinto falta do “grande filme”, de esperar o próximo Bergman, o próximo Fellini, o próximo Antonioni. O único por quem sinto isso é o Kar-Wai. Prefiro pegar um DVD e assistir a um Tarkovsky do que ver bobagem.
Você se acha melhor escrevendo ou filmando?
JABOR: Cabe ao público decidir. São coisas próximas. De certa forma, faço cinema na TV. Esses dias cantei na televisão. Faço filme de mim mesmo na TV. Uma frase que ouço muito na rua é: “Você diz tudo aquilo que eu gostaria de dizer.” Minha função é tentar encontrar sentido para o caos. Sou um mercador de sentido num mundo que não tem mais sentido.