Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 07, 2007

Em Doha, Brasil quer evitar o inevitável


Alberto Tamer


O Brasil está tentando evitar o inevitável, um fracasso mais do que previsto nas negociações da Rodada Doha, sobre a liberalização do comercio internacional. Após cada nova rodada de negociação, renovam-se as propostas fracassadas no passado e desfazem-se as promessas não cumpridas.

Na verdade, informa à coluna o correspondente do Estado na Organização Mundial do Comércio (OMC), Jamil Chade, ''''a chave de Doha não está nem em Genebra nem em Bruxelas nem em Brasília, mas em Washington, no Congresso americano. É de lá que virá a palavra final; e por enquanto, ela é não''''.

Nesta semana, senadores e deputados republicanos, do governo, portanto, associaram-se aos democratas, oposição, para se manifestarem contra concessões comerciais; estão discutindo, isto sim, mais subsídios para seus agricultores, incapazes de competir no mercado mundial com os seus altos custos.

Nessa questão poderia até parecer que o governo Bush estaria sozinho, mas não está; ele mesmo endossou a política proposta pela negociadora comercial, Susan Schwab, de não apoiar acordos multilaterais e negociar isoladamente, fora da OMC, país por país.

No fundo, o que o governo americano diz não vale. Eles tem uma eleição presidencial no próximo ano, onde os votos dos agricultores, que pesam muito, já começam a escassear. E, para eles, basta o Iraque para roubar votos. Por que, então, fazer concessões, por exemplo, ao Brasil e à Índia, que representam, juntos, pouco mais de 1% de suas exportações?

Isso se chama pragmatismo, com o qual a nossa diplomacia ainda não tem sequer encontro marcado. Preferimos a diplomacia amena e improdutiva do ''''gogó''''. Eles, nada de subsídio e só barreiras na importação, nós, conversas que se mostraram inúteis em 12 anos de negociações. Não faz mal, quem sabe um dia a gente aprende. Afinal, nosso presidente não está acertando tanto na política econômica? A gente chega lá.

VEJAM O ETANOL

Querem um exemplo de como eles agem? Aqui vai. Os EUA impõem uma tarifa média de 49% na importação de etanol brasileiro. Ou seja, para que o nosso produto entre no mercado americano, precisa ser 49% mais caro que o preço por nós exportado; isso para defender o seu etanol de milho, que tem custo de produção de US$ 65, enquanto o nosso não passa US$ 35. Se servir de consolo, o preço do etanol brasileiro precisa de um aumento de 70% para ser vendido no mercado europeu, a fim de equilibrar-se com o preço do etanol de beterraba que eles insistem em produzir. E está claro que não pretendem mudar, principalmente agora, quando a economia recua.

ESPERANDO O QUE NÃO VEM

Nosso correspondente em Genebra, Jamil Chade, teve, na sexta-feira, conversa esclarecedora com um representante de Washington muito envolvido nas negociações de Doha. Sob a condição de anonimato, ele confirma que não há a menor chance de aprovação, no Congresso americano, antes das eleições presidenciais no próximo ano. Ninguém acredita que Bush esteja disposto a ceder, correndo o risco iminente de perder ainda mais votos já escassos que a crise do Iraque roubou.

ELES NÃO ESTÃO NEM AÍ

Mas vamos aos cinco motivos que, segundo o representante de Washington em Genebra, levarão o Congresso americano a vetar qualquer acordo multilateral no âmbito da OMC.

1 - Neste ano, o Congresso retirou de Bush o fast track, autorização provisória para que o governo possa assumir compromissos em comércio internacional sem emendas do legislativo. Ela só poderá ser restaurada em 2009.

2 - No Congresso, cresceu muito, neste ano, a reação contra decisões de organizações externas (OMC, por exemplo) que obriguem a reformular leis nacionais. Isso está sendo considerado uma ingerência externa inaceitável em assuntos internos. É um novo conceito de soberania, em época de eleição e quando a economia recua, buscando no aumento das exportações, e não das importações, um caminho para voltar a crescer.

3 - Os congressistas americanos estão prestes a aprovar a nova Farm Bill, lei que regula os subsídios agrícolas nos Estados Unidos; ela será válida até 2011. Pelo projeto que está sendo discutido, ''''não há praticamente nenhum corte de subsídios,'''' informa aquela fonte. Pior, há, isso sim, inclusive novos mecanismos para financiar quem quiser produzir etanol, já altamente subsidiado. Como vimos.

4 - O Congresso americano não vê motivo para reduzir seus subsídios, diante da percepção de que Brasil, Índia e China não abrirão seus mercados para produtos industrializados americanos. Além disso, Bush e Susan Schwab afirmaram, no Brasil, que os Estados Unidos querem condições mais favoráveis para exportar seus produtos agrícolas. Temem que voltem a ser importadores líquidos.

É isso. No fundo, só fazer concessões se forem compensados por ganho maior.

EUROPA TAMBÉM ATRAPALHA

5- Finalmente, os americanos só aceitariam reduzir subsídios se os europeus reduzissem também suas tarifas aplicadas na importação de alimentos. No Congresso, porém, muitos duvidam que a comunidade esteja politicamente preparada para apresentar uma proposta aceitável. A dúvida aumentou muito neste ano, quando a França declarou que poderá vetar um acordo que signifique uma liberalização ''''exagerada'''' do mercado agrícola, sem explicar o que isso quer dizer.

Concluindo, Doha morreu, não podemos continuar querendo evitar o inevitável, temos de partir para uma nova política comercial realista. Só que, ao contrário deles, nós ainda não temos nenhuma.

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