Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 21, 2007

Dora Kramer A vida como ela é

O visitante desembarca hoje no Rio de Janeiro, pega um táxi no Aeroporto Antonio Carlos Jobim e, antes de chegar à Linha Vermelha em direção à zona sul, já recebe do motorista o panorama: "Aqui agora não tem mais mais, a polícia entra no morro e é na bala que conversa com o traficante".

O que será isso, um surto de beligerância à deriva, a reação de um espectador impactado com operações de invasão de morros com número elevado de mortes, a visão de um entusiasta da política de enfrentamento adotada pelo governo nas áreas de domínio do tráfico, ou a opinião de um residente que se sente de fato mais seguro na cidade?

Provavelmente de tudo um pouco. Na opinião do governador Sérgio Cabral Filho é, sobretudo, a tradução da absoluta exasperação das pessoas com a barbárie patrocinada pelo narcotráfico e do apoio da maioria ao uso da violência do Estado na defesa do estado da plenitude de direitos.

A Ordem dos Advogados protesta contra as "matanças", as ONGs vêem perigo nas ações de "extermínio", muitos especialistas criticam as operações, consideram-nas malfeitas, arriscadas para a população, os tradicionais "organizadores da paz" nas passeatas não gostam do que estão vendo, mas Cabral está convicto de que, ou é assim, ou o Rio pode dar adeus à esperança de ver restabelecida a ordem pública.

"Sem ela, não haverá qualidade de vida, crescimento econômico, organização urbana e o Estado será vencido nesse combate", diz, comparando a questão da segurança à estabilidade econômica e à responsabilidade fiscal.

"Esses preceitos sofreram resistência dos que se consideravam progressistas e hoje são valores incorporados pela sociedade, sem os quais o Brasil continuaria refém do atraso. São pressupostos desprovidos de ideologia, não são de direita nem se esquerda."

Sérgio Cabral sabe que se arrisca a ser apontado como conservador e truculento, mas se considera preparado para o embate entre os conceitos do enfrentamento direto e a ausência de uma política ativa que chama genericamente de "populismo" podendo assumir também a feição de "conivência" ou "leniência".

Recuar, já avisa que não vai. "Acordos e pactos nem pensar", embora não descarte a hipótese de haver reação violenta da criminalidade.

"É preciso enfrentar a vida como ela é. Para a maioria da população é duríssima."

Na opinião do governador, há um equívoco de origem na discussão sobre segurança pública.

"O processo de redemocratização criou no Brasil, e particularmente no Rio de Janeiro, uma falsa dicotomia entre a defesa da ordem pública e a defesa dos direitos humanos, como se não fossem, ambos, parte do mesmo processo civilizatório. A ditadura acabou desmoralizando a autoridade, que passou a ser sinônimo de truculência."

Para se enfrentar marginais, diz, "além das ações de inteligência e de ocupação do Estado nas áreas que se tornaram fortalezas do tráfico, é preciso o combate direto, pois são altamente armados e ainda manipulam as comunidades e a opinião pública".

Dá um exemplo: na operação na Favela da Coréia, a polícia apreendeu a contabilidade do tráfico e descobriu que as "tias", senhoras tidas como respeitáveis na comunidade, estavam na folha de pagamento dos traficantes para prestar serviços como dar depoimentos em delegacias atestando a condição de "trabalhadores" dos traficantes e denunciar à imprensa abuso nas ações policiais.

"Isso mostra o grau de contaminação e domínio do tráfico" que, acrescenta, atinge o contingente policial. "O combate direto com o bandido é a preliminar, mas trabalhamos também com o expurgo dos corruptos, com ações de intolerância a quaisquer infrações da cidade: transporte ilegal, prostituição, invasões de sem-teto, tudo."

Sem ajuda federal, entretanto, Cabral não acredita que dê conta. Insistirá na colaboração do Exército e já nesta quarta-feira vai aproveitar um encontro com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, para retomar o assunto.

Pesquisa

Logo após a invasão do Complexo do Alemão, em julho, quando morreram 19 pessoas, segundo a polícia, todos bandidos (há controvérsia), o Palácio Guanabara encomendou pesquisa e obteve o seguinte resultado: 83% foram a favor e 11% contra a operação.

Destes, 87% disseram-se favoráveis à extensão das ações a outras favelas, 73% consideraram as invasões eficazes; 56% apoiariam e 37% não concordariam se a polícia agisse perto de suas casas e pondo em risco a segurança de suas famílias; 62% acham necessários os confrontos mesmo ao custo da morte de inocentes (34% não apóiam, nesta hipótese) e 60% não acham que bandidos "executados sem julgamento" seja um atentado aos direitos humanos, embora 34% considerem sim uma agressão injustificada.

O intuito foi medir o grau de saturação dos habitantes dos bolsões controlados pelo narcotráfico e, pelos números, constata-se o óbvio: há um clamor por direito à vida e à liberdade.

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