Bradesco e Itaú questionam aquisições sem
licitação feitas pelo Banco do Brasil
Julia Duailibi
Wilson Pedrosa/AE |
Lula, em Santa Catarina, defende o papel social dos bancos e critica a privatização: mais estado e mais imposto |
Na semana passada, os presidentes dos dois principais bancos privados do país decidiram quebrar a habitual circunspecção com que tratam assuntos relacionados ao governo. Márcio Cypriano, do Bradesco, e Roberto Setúbal, do Itaú, criticaram a ofensiva feita pelo Banco do Brasil (BB), instituição financeira controlada pelo estado, para aumentar ainda mais seu domínio histórico de mercado. Em uma ação reestatizante, o BB decidiu incorporar, com anuência governamental, três instituições regionais (os bancos de Santa Catarina, do Piauí e de Brasília), retirando os dois primeiros do programa de privatização. Além disso, abocanhou, sem licitação, a folha de pagamento de dois estados cujos contratos estavam nas mãos do Bradesco (Bahia e Maranhão) e a de um estado que usava os serviços do Itaú (Minas Gerais). Com a investida do BB, os dois bancos privados já perderam, juntos, 1 milhão de clientes. Estima-se que esse número possa dobrar. A justificativa? "No Brasil houve quase um processo de doação da coisa pública em nome de moralizar nosso país", afirmou o presidente Lula em cerimônia, na última sexta-feira, que marcou o enterro do acordo do Besc com o Bradesco e a transferência de todos os ativos do banco de Santa Catarina ao BB.
Segundo Cypriano, do Bradesco, o caso do Besc, cuja incorporação pelo BB ainda tem de passar pelo Senado, foi marcado pela falta de transparência. Afirma o executivo: "Participamos em 2006 de uma licitação para administrar a folha de pagamento dos servidores do Besc, de 121.000 clientes. Ganhamos, com uma proposta de 210 milhões de reais. Houve um pedido de impugnação da licitação. Aguardamos o resultado. Aí fomos surpreendidos com a informação de que o Banco do Brasil vai levar o banco todo por 520 milhões de reais, sem licitação. Se tivesse havido disputa, poderíamos ter feito a mesma oferta de 520 milhões de reais". O Besc pertencia ao governo estadual; quebrado, foi federalizado em 1999.
O Bradesco também sofreu reveses semelhantes no Maranhão e, na semana passada, na Bahia. "Isso é ruim para o Brasil. Mostra, antes de mais nada, uma quebra de contrato. É um tratamento político para uma questão técnica, um protecionismo para alguns poucos", diz Cypriano. O Bradesco deverá recorrer à Justiça, sob a alegação de que o Banco do Brasil é uma empresa de economia mista – tendo investidores e acionistas privados, ele não poderia ser beneficiado com a ausência de licitação. Roberto Setúbal, do Itaú, bateu na mesma tecla: "Considerando que o Banco do Brasil é uma empresa de economia mista, a licitação seria a forma mais transparente para assegurar que o interesse público seja preservado". Por meio de sua assessoria, a presidência do BB negou que tenha havido qualquer irregularidade.
Por trás dessa batalha está a liderança no mercado financeiro do país. O BB tem perdido terreno para os dois maiores bancos privados. As instituições regionais que não foram privatizadas são as poucas opções que restam nessa corrida pela primazia. A folha de pagamento dos servidores estaduais é outro ponto que assanha a cobiça dos bancos – trata-se de um mercado de 7 bilhões de reais ao mês. Em vez de enfrentar a concorrência com as mesmas armas de seus pares, buscando a eficiência e a produtividade, o BB valeu-se do poder de seu controlador, o governo. Ainda é cedo para fazer qualquer previsão sobre o desempenho futuro dos bancos estaduais incorporados pelo BB. Se o passado recente serve como lição, eles deveriam mesmo é ter sido privatizados.