o funcionalismo
Choque de gestão não é só contratar melhores servidores,
mas aumentar a eficiência dos 9 milhões que já existem
Giuliano Guandalini e Cíntia Borsato
Sandro Castelli |
O governo Lula tem contratado funcionários no ritmo mais veloz das últimas duas décadas. Em menos de cinco anos, o total de servidores do Executivo federal saltou de 810.000 pessoas para 1 milhão. Somando os estaduais e municipais, existem 9 milhões de servidores e funcionários de estatais no país. Na semana passada, o presidente indicou que não vai parar por aí. "O choque de gestão será feito quando a gente contratar mais gente, mais qualificada, mais bem remunerada, porque aí teremos também serviços de excelência", afirmou Lula. VEJA ouviu uma dezena de especialistas para avaliar o diagnóstico do presidente. A seguir, cinco perguntas e respostas para se posicionar sobre esse tema.
1 Há poucos funcionários públicos? Nem muitos nem poucos. Depende do critério utilizado. Há no Brasil aproximadamente 9 milhões de funcionários públicos, considerando-se a esfera federal, a estadual e a municipal – ou 11% do total de pessoas empregadas no país. Trata-se de um dos menores porcentuais do mundo. Na Inglaterra ele é de 20%, nos Estados Unidos de 16% e no México de 15%. Por outro lado, essas estatísticas são distorcidas pela imensa informalidade do trabalho no país. Quando se levam em conta apenas os empregos privados com carteira assinada, o porcentual de funcionários sobe para 22% – e, nesse caso, só é menor que o de países notórios pelo inchaço estatal, como França ou Rússia. Na avaliação do presidente do Ipea, Marcio Pochmann, o Brasil tem poucos servidores, pelo tamanho do país e da sua população: "Hoje temos 3,6 servidores do Executivo federal para cada 1 000 habitantes; há onze anos, tínhamos 3,8 para cada 1 000". Pochmann é favorável à admissão de mais gente. Outros sugerem que as necessidades de pessoal sejam satisfeitas com mão-de-obra temporária.
2 A contratação de mais funcionários vai melhorar os serviços e dar o "choque de gestão" pretendido pelo presidente Lula? "Não", responde a maioria absoluta dos economistas. De nada adianta contratar mais e mais funcionários sem que eles estejam nos postos corretos e sem que se estabeleçam critérios de avaliação e metas de desempenho. Na educação pública superior, o Brasil já tem 50% mais professores, em relação ao total de alunos, do que os Estados Unidos. Nem por isso nossas universidades alcançam níveis de produtividade e de excelência próximos dos americanos. Também é o caso da saúde. A Organização Mundial de Saúde considera que, para cada 1 000 habitantes, deva existir ao menos um médico para atendê-los. No Brasil, país em que sete em cada dez médicos prestam serviços para o governo, a proporção é de um médico para cada 600 pessoas. Em tese, não faltam professores universitários nem médicos.
3 Os funcionários estão no lugar certo? Não. A maior disfunção do serviço público, argumentam os analistas, está justamente na distribuição dos quadros. Quase metade dos funcionários (45% deles) atua em funções administrativas, auxiliares ou de manutenção – ou seja, em tarefas secundárias e que não têm nada a ver com o objetivo dos ministérios. A Funai é um bom exemplo: há 1 225 funcionários burocráticos e apenas 913 que trabalham diretamente com índios. Na Pasta da Educação, há outro desequilíbrio: muitos professores universitários e poucos no ensino básico. Em 2006, o governo federal admitiu 4.011 professores, mas a esmagadora maioria (3.269) é universitária, e apenas uma minoria (742) foi contratada para o ensino fundamental e o médio, onde há mais necessidade. Segundo Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-diretor de carreiras da Secretaria de Recursos Humanos, há excesso de gente nas funções-"meio" e uma falta de servidores nas atividades-"fim". Paulo Tafner, do Ipea, concorda: "Existe uma hipertrofia em cargos para pessoas de nível educacional básico ou intermediário, ao passo que faltam trabalhadores com formação superior". Isso se agravou. Em 2001, 94% dos contratados por concurso tinham nível superior; em 2006, o porcentual retrocedeu para 64%.
4 Os servidores ganham muito? Diante da realidade brasileira, sim. Números do economista Alexandre Marinis, diretor da consultoria Mosaico, revelam que, em média, um servidor federal da ativa ganha 4,3 vezes mais do que um trabalhador da iniciativa privada. Na aposentadoria, a relação é ainda mais desigual: o aposentado do setor público tem um benefício 7,2 vezes maior que o de seu colega do setor privado. Essa distorção tende a se agravar ainda mais, dados os seguidos reajustes acima da inflação autorizados pelo governo. "Quanto mais o governo incha o estado, mais desigual ele torna a distribuição de renda, porque um servidor ganha muito mais do que um trabalhador privado, tanto da ativa como aposentado", afirma Marinis. O salário médio de um advogado é de 4.000 reais na iniciativa privada, contra 7.000 no governo (75% mais). O ganho de um auditor de uma empresa fica em torno de 4.200 reais, ante 6.500 no setor público (vantagem de 55%). Isso sem falar na aposentadoria integral e vitalícia...
5 Os servidores brasileiros são avaliados, punidos ou premiados por seus defeitos ou méritos? Ao contrário do que ocorre numa empresa e com seus colegas de países desenvolvidos, os servidores brasileiros não são recompensados se têm um rendimento acima da média e também não vão para a rua caso obtenham um desempenho sofrível. Trata-se de um tremendo estímulo à ineficiência. O Ministério da Educação chegou a adotar um mecanismo que beneficiava os professores universitários de acordo com seus resultados, mas isso deixou de ser feito. Resultado: a eficiência empacou. Em 1997, cada professor era responsável por 7,9 alunos. Esse número saltou para 11,6 em 2002 e recuou para 10,9 em 2005. Para ampliar a produtividade dos servidores seria necessário adotar um tripé de medidas: acabar com a estabilidade; dar maior flexibilidade à alocação de quadros; e instituir um sistema claro que avalie desempenhos, cobre resultados, puna os improdutivos e recompense os melhores. Afirma o economista Samuel Pessôa, da FGV: "Deveríamos caminhar para uma estrutura mais flexível, em que a chefia tivesse mais poderes para contratar e demitir, ao mesmo tempo em que fosse cobrada e tivesse parte de sua remuneração vinculada a desempenho". Na avaliação de Paulo Tafner, do Ipea, o país deveria seguir o modelo europeu, de estabilidade parcial. "O funcionário teria um contrato de trabalho de, por exemplo, cinco anos. A estabilidade seria preservada apenas durante esse período", afirma Tafner. Se alcança as metas, o trabalhador pode ter o direito de ficar mais cinco anos. Senão, rua.