Sonia Racy
O governo Lula, depois de dois anos, conseguiu a licença prévia do Ibama para construir usinas no Rio Madeira. Trata-se de um primeiro passo que deve ser acompanhado, depois da licitação, por outras duas licenças a serem obtidas pelas empresas que vencerem: a de instalação e, depois, a da operação. Serão outros quatro anos de espera? Para falar sobre o assunto energia, esta coluna convidou o especialista David Zylberstajn, secretário de energia do governo Covas e ex-dirigente da ANP.
Aqui vai sua entrevista:
As usinas do Rio Madeira conseguiram licença prévia do Ibama e Angra 3 vai ser construída. Isto resolve o problema brasileiro?
As discussões sobre as usinas do Rio Madeira ou sobre Angra 3 são inócuas para a solução dos problemas de curto prazo. Se houver, como se prevê, restrições à oferta de energia elétrica, a saída está na diversificação e na implementação imediata de programas de conservação e eficiência energética. É imprescindível o aproveitamento maciço de pequenas centrais hidrelétricas e um vigoroso programa de uso de outras fontes renováveis de energia. Em todos estes casos, novas formas de relacionamento regulatório e de preços deveriam ser desenvolvidas.
Ante a perspectiva de escassez de energia, fala-se agora não mais em apagão e sim em tarifão. O que o senhor acha disto?
Existe uma grande probabilidade de termos que coexistir com o apagão e com o tarifão. A provável escassez vai acarretar um forte aumento de tarifas para aqueles que puderem arcar com estes custos e uma forte retração de consumo para os setores que não sejam capazes de bancá-los.
Na regra de mercado, escassez não significa maior preço e mais rentabilidade?
Nem sempre. Para muitas indústrias, especialmente aquelas em que o componente energia é muito relevante nos custos finais, a escassez pode inviabilizar a capacidade competitiva. Em alguns casos, a escassez pode ser benéfica quanto à eficiência, no sentido de redução do consumo de energia para a produção da mesma quantidade de produto. Ou também na busca de fontes alternativas àquela tradicionalmente utilizada. Mas a melhor busca de eficiência é aquela decorrente de melhores condições de competição no mercado do que por restrições à capacidade produtiva.
A EPE garante que não haverá falta de energia. O senhor acredita? O que há de errado nas projeções do governo?
Nem a EPE nem ninguém pode assegurar nada. Uma atitude responsável é aquela que leve em consideração todos os cenários possíveis. Há uma predominância de análises sinalizando, em maior ou menor escala, mais cedo ou mais tarde, a possibilidade de faltar energia. Portanto, os órgãos de governo não deveriam alardear apenas um cenário róseo.
Se São Pedro não ajudar, a falta de energia é para quando? E se Evo Morales não ajudar?
São Pedro deveria ser adotado como o padroeiro do governo Lula. Nunca antes na história deste país choveu tanto nas cabeceiras dos rios que abastecem as usinas. O problema é que, mesmo com chuva, o crescimento da economia fará com que o parque gerador de energia elétrica atinja seu limite técnico de armazenagem e geração. A única solução é investir em novos reservatórios para armazenar a chuva de São Pedro e fazer girar novas turbinas. Quanto a Evo Morales, já atrapalhou bastante. Ele ajuda se cumprir os contratos, o que fica cada vez mais difícil, dada a falta de investimento.
Quando do apagão do governo FHC, havia margem para se economizar energia. Esta margem existe hoje?
Margem sempre existe, mas não tão grande quanto em 2001. As pessoas e as indústrias aprenderam a não desperdiçar. O aumento das tarifas vai promover uma economia natural. Mas não acredito que se possa reeditar a boa vontade das pessoas quanto à colaboração, voluntária e compulsória.
O que deu errado no planejamento energético do governo Lula? Não aprenderam com a crise de 2001?
O governo Lula, na minha opinião, cometeu dois erros crassos no setor de energia. O primeiro foi investir num novo modelo. O modelo anterior possuía defeitos que poderiam ser corrigidos sem traumatizar o mercado, que ficou paralisado durante dois anos, e continua envolto em enormes incertezas. O outro erro foi o bombardeio que feriu de morte as agências reguladoras.
O Brasil tem farta oferta de hidroenergia. Por que ela é mal aproveitada? É culpa dos ambientalistas?
Hoje, a oferta futura de energia hidrelétrica está concentrada na Amazônia de aproveitamento mais caro por conta das baixas quedas na região e das grandes distâncias em relação aos principais centros consumidores. Obviamente, a 'culpa' não é dos ambientalistas. Existirão sempre aqueles que preconizam a volta às cavernas. Mas existe uma parcela dominante deles que traz à tona o debate responsável da sustentabilidade, ou seja, do equilíbrio entre a necessidade de energia para o crescimento e a melhoria da qualidade de vida e os cuidados para a preservação ambiental e minimização dos inevitáveis impactos causados pelos projetos energéticos. Não se pode, por exemplo, passar novamente o vexame que foi a construção da Hidrelétrica de Balbina, que se configurou como um dos maiores desastres ambientais deste país.
Por que o projeto de privatização brasileiro foi deixado pela metade? O governo deveria privatizar a geração?
O governo passado deixou o processo de privatização do setor elétrico pela metade. Privatizou a distribuição e deixou intacta a geração estatal, que, acredito, é um dos principais motivos da falta de investimentos no setor elétrico.
Qual o papel da Petrobrás nesta novela?
A Petrobrás tem um papel decisivo no contexto da oferta futura de energia. Isto se deve à necessidade de utilização de gás natural para a produção de energia elétrica. Hoje, metade das usinas térmicas a gás não teria condições de operar por falta de combustível. Portanto, depende do sucesso do programa de importação de gás natural liquefeito, pela Petrobrás, o grau de maior ou menor gravidade e riscos quanto ao possível apagão elétrico.