O papa Bento XVI afirma que a Igreja
Católica é a única representante de Cristo.
Essa auto-imagem tem mais de 2 000 anos
Adriana Dias Lopes
AP |
Bento XVI: bancar as madalenas enganadas é só jogo de cena dos protestantes |
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No documento divulgado pelo Vaticano na semana passada, o papa Bento XVI reforça um aspecto central da doutrina católica. Intitulado Respostas a Questões Relativas a Alguns Aspectos da Doutrina sobre a Igreja, o texto reafirma a Igreja Católica como a única Igreja de Cristo. Elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé em forma de perguntas e respostas e ratificado pelo papa, o documento tem por objetivo esclarecer interpretações teológicas modernosas, surgidas com o Concílio Vaticano II, na década de 60. "As comunidades cristãs nascidas da Reforma do século XVI não conservam a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico e não podem ser chamadas Igrejas em sentido próprio, segundo a doutrina católica", diz o texto. A declaração causou protestos entre os protestantes e os ortodoxos. Acusa-se o papa de dificultar o diálogo ecumênico. Mas bancar as madalenas enganadas não passa de jogo de cena dos cristãos não-católicos. Afinal de contas, em mais de 2.000 anos de história, a Igreja Católica nunca relativizou essa posição.
O próprio nome da Igreja expressa como ela sempre se enxergou única. A Igreja é Católica (palavra de origem grega que significa "universal"), Apostólica (fundada por Pedro e Paulo, herdeiros diretos da verdade de Cristo) e Romana (não há legitimidade cristã fora do âmbito papal). A unicidade é reforçada, ainda, por dois dos oito títulos exibidos por um papa – o pontífice romano é o Vigário de Jesus Cristo e o Sucessor do Príncipe dos Apóstolos (Pedro). Depois do Concílio Vaticano II, que fez entrar uma lufada de ar fresco na Santa Sé, passou a ser politicamente incorreto bater nessa tecla. Em especial, porque criava embaraços com as outras vertentes do cristianismo, com as quais se procurava estabelecer algum diálogo.
Por que Bento XVI voltou a afirmar o caráter único da Igreja Católica? Para diminuir o ruído provocado pelos desvarios dos padrecos que, ao questionar a autoridade de Roma em matéria teológica, tentam também retirar a excelência que a Igreja se atribui. Trata-se de uma limpeza de horizontes periódica. Em 2000, por exemplo, ainda como o cardeal Joseph Ratzinger, ele assinou um documento sobre a universalidade de Jesus Cristo e da Igreja, chamado Dominus Iesus. Nele, está dito que os cristãos não pertencentes à Igreja Católica se encontram em situação deficitária na busca por salvação quando comparados aos católicos. Em 2006, Bento XVI renunciou ao título de Patriarca do Ocidente justamente porque, do ponto de vista da universalidade da Igreja, era contraditório reconhecer a existência de uma Igreja do Oriente.
Em outro documento divulgado recentemente, o papa tornou a encorajar as missas em latim – mais longas e nas quais o padre fica de costas para os fiéis. Agora, as paróquias não precisam mais do aval do Vaticano para realizá-las. Basta que a maioria dos paroquianos o queiram. A missa em latim, constituída pela liturgia tridentina (estabelecida no Concílio de Trento, que foi de 1545 a 1563), inclui, na Semana Santa, orações que exortam a conversão dos judeus ao catolicismo. Mas os epítetos pejorativos contra os seguidores do judaísmo foram extirpados para todo o sempre por João XXIII. Ao estimular o uso do latim, Bento XVI fez um gesto de boa vontade em relação aos setores eclesiásticos mais conservadores, que se ressentiam da abolição da língua oficial da Igreja dos ritos litúrgicos. Quem sabe, agora, os padres brasileiros se sintam estimulados a aprender o idioma.