Desconhecidos no Brasil, jogadores vendidos
em início de carreira fazem sucesso no exterior
Thomaz Favaro
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Na metade do ano, quando os principais campeonatos de futebol da Europa chegam ao fim, os dirigentes brasileiros se preparam para exportar seus jogadores e assim tentar pagar algumas das dívidas dos clubes. Vibrante e próspero há anos, o mercado vive uma fase de expansão graças a dois novos fatores. O primeiro é a velocidade com que clubes do Leste Europeu e da Ásia passaram a incorporar brasileiros em suas equipes. Nos últimos cinco anos, a exportação de jogadores para essas regiões aumentou 87% e 61%, respectivamente. O segundo fator é que raramente os clubes esperam o atleta ganhar experiência e fama – e, por conseqüência, atingir um preço mais alto – antes de vendê-lo ao exterior. Tornaram-se comuns as carreiras curtas, com jovens boleiros sendo logo transferidos para outros países, onde terão a oportunidade de provar se merecem ou não ser chamados de craques. Como conseqüência, cresce o número de jogadores brasileiros que os estrangeiros consideram gênios, mas que no Brasil quase ninguém conhece.
Na semana passada, o zagueiro Pepe transferiu-se do Porto, de Portugal, para o Real Madrid, da Espanha, por 30 milhões de euros, o terceiro valor mais alto já pago por um zagueiro central. Para quem não ligou o nome à pessoa, Pepe é o alagoano Kléper Laveran Lima Ferreira, 24 anos, que foi embora ainda adolescente. Ele joga há seis anos em Portugal e está prestes a se naturalizar. Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção portuguesa, quer testá-lo em um amistoso no fim do ano. Detalhe: Pepe foi jogar no Marítimo, da Ilha da Madeira, aos 18 anos, depois de ser descoberto pelo Corinthians Alagoano, de Maceió. Criado nos anos 90 com o objetivo explícito de descobrir e vender talentos, o Corinthians Alagoano tem poucos itens para exibir em sua sala de troféus. Participou de competições nas categorias de base e neste ano chegou em segundo no campeonato estadual alagoano. No ramo dos negócios, porém, é um gigante. Entre os jovens talentos que vendeu para a Europa está Deco, atualmente no Barcelona e na seleção portuguesa.
O Brasil exportou no ano passado 851 jogadores. A quantidade ultrapassa com folga a escalação dos vinte clubes para a disputa da série A do Campeonato Brasileiro. Predominam nessa legião de boleiros os jovens inexperientes e os atletas medianos em busca de melhores salários em países com pouca tradição no futebol. Os clubes de primeira grandeza, onde os craques têm maior visibilidade, foram responsáveis por apenas 18% do total de jogadores vendidos ao exterior no ano passado. Já o Corinthians Alagoano vendeu dezenove atletas, mais do que qualquer outra equipe. O clube de Maceió faz parte de um grupo de times pequenos especializados na descoberta e venda de talentos dentro e fora do país.
Em 2004, o Matsubara, do interior do Paraná, foi convidado para participar de um torneio no Vietnã. Voltou com o vice-campeonato, mas sem boa parte de seus jogadores, que assinaram contratos com clubes vietnamitas. Desde então a equipe, que disputa a segunda divisão do campeonato paranaense, já mandou trinta jogadores para o Sudeste Asiático. "Quem se aventura nos gramados vietnamitas sofre com o treinamento de tipo militar e com a péssima qualidade técnica dos companheiros de equipe, mas recebe salários melhores", diz Mauro Onizuka, dirigente do clube. Passagens rápidas, que servem de trampolim para a venda ao exterior, também estão se tornando comuns em clubes maiores. Kléber Giacomace de Souza Freitas, de 23 anos, atacante do Dínamo de Kiev e considerado o melhor jogador do Leste Europeu, era reserva no São Paulo, onde permaneceu apenas o tempo necessário para marcar três gols. No ano passado fez vinte gols pelo Dínamo.
As vendas precoces tornaram-se regra depois do fim da lei do passe, em 1998. Antes, os clubes podiam segurar os jogadores por quanto tempo achassem necessário. Hoje, para prender um craque é necessário negociar salários altos e um contrato com a previsão de pesada multa rescisória. Quando chega a hora de vender o atleta, a multa também é negociada. O Real Madrid pagou ao Santos 26 milhões de dólares pelo atacante Robinho, então com 21 anos, apesar de a indenização prevista por quebra de contrato atingir quase duas vezes esse valor. "O valor médio de rescisão para um jogador em início de carreira é de 1 milhão de dólares e, para um veterano, 15 milhões", diz a advogada paulista Gislaine Nunes, especializada em contratos de futebol. Os grandes clubes recorrem à venda precoce de jogadores por falta de planejamento a longo prazo e por gastarem mais do que arrecadam. O resultado dessa situação pode ser observado nos gramados brasileiros. "A venda de jogadores cada vez mais jovens impede o surgimento de novos craques nos campeonatos nacionais", diz Valdir Barbosa, gerente de futebol do Cruzeiro, de Belo Horizonte. Com isso, quem paga o preço da má administração dos clubes são os torcedores.
ArmandoFranca/AP | ||
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Foto: Marco Antonio/Placar |