Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 14, 2007

VEJA Entrevista: Henry Paulsonn


"O Brasil está forte"

O secretário do Tesouro americano diz que a
prosperidade mundial não vai durar para sempre,
mas o Brasil suportará melhor eventuais crises


Giuliano Guandalini

Anderson Schneider
"A corrupção é conseqüência
natural da burocracia. Quanto
mais burocracia, mais oportunidade para que a corrupção prospere"

Há pouco mais de um ano, Henry Paulson deixou a presidência de um dos maiores e mais lucrativos bancos de Wall Street, o Goldman Sachs, e aceitou o convite para ser secretário do Tesouro dos Estados Unidos. Principal conselheiro econômico do presidente George W. Bush, Paulson ocupa função equivalente à do ministro da Fazenda no Brasil. Na semana passada, ele fez sua primeira visita oficial ao Brasil. Encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre outras autoridades, e defendeu a idéia de que o país siga firme na sua trajetória vitoriosa de estabilidade econômica e abertura comercial. Para Paulson, o desafio, no atual momento, é aproveitar para reduzir as desigualdades sociais. "O segredo reside em estender as oportunidades a um maior número de pessoas", afirma. "Como? Em primeiro lugar, investindo em educação." Aos 61 anos, Paulson é bom conhecedor do Brasil – seja por sua atuação de mais de três décadas como banqueiro, seja por seu envolvimento em causas ambientais. Membro da organização The Nature Conservancy, o secretário do Tesouro americano é fascinado pela flora e fauna brasileiras. Tem especial predileção pelo Pantanal. Paulson conversou com VEJA.

Veja – Como o Brasil pode tirar mais proveito do atual momento de prosperidade mundial?
Paulson – O desafio, neste momento, é aproveitar o bom desempenho econômico para dirimir as desigualdades sociais. O segredo reside em estender as oportunidades a um maior número de pessoas. Como? Em primeiro lugar, investindo em educação e em serviços básicos, como saúde e saneamento. Depois – e aí estamos falando da minha especialidade –, é necessário ampliar o acesso ao mercado financeiro e ao capital para investimentos. Viajando pelo Brasil, vê-se que a falta de investimentos em infra-estrutura é uma questão central. O mundo, hoje, está afogado por uma avalanche de dinheiro. Há recursos de sobra. A questão é, dada a falta de capacidade financeira do setor público, como atrair o capital privado. Espero que possamos ajudar o Brasil a viabilizar esses projetos, dando o apoio técnico necessário.

Veja – Isso vale para outros países da região?
Paulson – Alguns países da América do Sul, obviamente, estão se saindo melhor do que outros. Mas a região como um todo passa por um momento positivo. O crescimento se acelerou e existe uma sólida situação fiscal. Porém, mesmo entre os países que têm alcançado os melhores resultados econômicos, o Brasil entre eles, ainda há índices elevados de pobreza.

Veja – Com a palavra o especialista: como atrair dinheiro para infra-estrutura e outras áreas produtivas?
Paulson – Os investidores estão atrás de boas oportunidades em todo o mundo, mas só colocam capital se houver segurança. Os projetos precisam ser bem planejados, para que façam sentido do ponto de vista financeiro. Deixe-me dar um exemplo. Quando eu trabalhava no setor privado, comandando um banco de investimentos, vi que o financiamento de grandes obras do setor público costuma ser frustrante. Os projetos são complicados, custam a sair do papel, há uma dose elevada de incerteza. Perde-se tempo precioso com procedimentos que não são necessários. Quanto ao setor privado, o investimento só virá quando houver transparência a respeito dos riscos envolvidos e se existir financiamento adequado. A questão-chave, portanto, é dar ao investidor a segurança necessária para que ele faça o desembolso. Penso que o Brasil está na direção correta. As taxas de juro ainda são elevadas, mas encontram-se em declínio. Existe hoje mais crédito do que havia um ano atrás e haverá mais no próximo ano do que no atual.

Veja – Afinal, como querem os cínicos, a corrupção atrai ou ela afasta mesmo os investimentos?
Paulson – A corrupção existe em todo o mundo. É uma carga extremamente pesada para a economia e os cidadãos de vários países. Ela é uma conseqüência natural da burocracia. Quanto mais regulamentação, mais burocracia – e é maior a oportunidade para que a corrupção prospere. A maneira ideal de enfrentar a corrupção é atacar a burocracia e o excesso de regulamentações, tornando mais fácil o estabelecimento de empresas e projetos. O setor privado brasileiro passa por um momento de salto de produtividade. Por outro lado, o setor público é hiperdimensionado com seus 37 ministérios. O governo precisa aprender com o setor privado a ser mais eficiente. Menos regulamentações e reformas ajudariam bastante. Em conversas com empresários e analistas brasileiros, ouvi bastante a respeito de como é complicado o atual sistema de arrecadação de impostos no país. É flagrante a necessidade de se fazer uma reforma tributária. Outra reforma prioritária seria a trabalhista, para que houvesse maior flexibilidade e se estimulassem as contratações.

Veja – Como está o Brasil, em comparação com os demais países em desenvolvimento, em particular os outros do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China)?
Paulson – Bem, esses países são muito distintos entre si. O Brasil exibe uma grande complexidade, em termos de desafios na interligação de sua infra-estrutura e na diversidade de suas regiões. Em vários aspectos, não deixa de ser positivo ter toda essa riqueza em recursos naturais, como a Amazônia e o Pantanal. O Brasil é uma democracia bem-sucedida, um país aberto ao capital externo e com uma moeda cujo poder de compra é determinado pelas forças de ação do mercado. O fato é que todos os países do Bric estão tirando proveito de uma maior integração com a economia global e por isso recebem grande fluxo de investimentos. Essas economias também se beneficiam das relações comerciais entre si. É nisso que todos saem ganhando.

Veja – Até quando?
Paulson – Sempre há riscos. Mas nunca, em toda a minha vida profissional, vi a economia mundial em uma situação tão sólida. As taxas de crescimento econômico dos emergentes estão elevadas, o dobro da média registrada na década passada. A liquidez de recursos nos mercados financeiros também permanece em patamares muito altos. Desde 1998, não vemos nenhuma grande crise financeira na economia mundial. Em algum momento ocorrerá um choque global. Foi sempre assim no passado e é errado pensar que agora será diferente. Sempre haverá pontos vulneráveis. Isso não se discute. Mas, no que diz respeito ao Brasil, gostaria de frisar que, hoje, o país não é o mesmo que sofreu forte abalo com as crises financeiras dos anos 90. Se o Brasil perseverar nas políticas econômicas corretas que vem fazendo, os efeitos de uma eventual crise mundial serão bem menores por aqui. O risco seria dar uma guinada rumo às práticas do passado.

Veja – A ameaça maior que paira sobre todos os países do mundo não é o duplo déficit americano, o fiscal e o da balança comercial?
Paulson – Os Estados Unidos são muito importantes para a economia global. Estamos falando de 20% do produto interno bruto (PIB) mundial. Temos a economia mais aberta e a mais competitiva do planeta. Os sinais de que temos uma economia bastante saudável estão por toda parte. Estamos, no momento, fazendo uma transição, a meu ver bem-sucedida, rumo a um ritmo de crescimento econômico mais sustentável. Como vocês estão provando no Brasil, o pilar econômico primordial deve ser sempre o combate à inflação. Na minha avaliação, temos conseguido conter as pressões inflacionárias nos Estados Unidos. Por outro lado, o mercado de trabalho americano continua forte, assim como o consumo. Houve, sim, uma significativa correção nos preços do mercado imobiliário. Mas acredito que os efeitos desse ajuste estejam sob controle. A economia americana é extremamente diversificada. Vários setores estão indo muito bem. Além disso, nós nos beneficiamos de atuar globalmente. Tiramos proveito do fato de a economia mundial passar por um grande momento.

Veja – Recentemente, o presidente Lula afirmou que não podia fazer nada a respeito da desvalorização do dólar, porque o dólar está caindo em todo o mundo, como conseqüência dos déficits americanos. É isso mesmo?
Paulson – Acredito que seja do interesse dos Estados Unidos ter um dólar forte. Mas acredito também que as taxas de câmbio devem ser determinadas pela ação de mercados abertos e competitivos, refletindo os fundamentos econômicos do país. O primordial, então, é possuir uma política econômica que tenha a confiança dos investidores – como, na minha opinião, temos nos Estados Unidos. Quando vejo alguém se queixar de que a moeda brasileira, o real, está forte demais, digo que isso deveria ser visto como algo positivo. A economia brasileira vai muito bem, há mais confiança, e isso atrai capital.

Veja – Alguns economistas defendem a idéia de que o câmbio desvalorizado pode ser usado como propulsor de um crescimento econômico maior...
Paulson – A taxa de câmbio deve refletir os fundamentos da economia. Em qualquer economia aberta, o mercado deve determinar o câmbio. Se o país seguir as políticas corretas, terá uma economia saudável e o crescimento duradouro virá como conseqüência. O câmbio deve ser apenas um reflexo disso. O foco de todos nós, na verdade, deveria ser estimular aqueles que ainda não têm moedas flexíveis e determinadas pelo mercado a se mover nesse sentido. É o caso da China. Mas há vários outros países que precisam se abrir mais à competição e ao livre fluxo de capitais financeiros.

Veja – Como o senhor avalia o ritmo de abertura dos mercados na China e da flexibilização de sua moeda?
Paulson – A China está no caminho de se tornar uma economia de mercado aberta. Seu crescimento espetacular está beneficiando os próprios chineses, mas também os brasileiros, os americanos e todo o mundo. Por isso devemos continuar incentivando a China a caminhar na direção de ter uma moeda mais flexível, determinada pela ação dos mercados, e que reflita os fundamentos econômicos do país. A China precisa fazer um pouco mais nesse sentido. Isso beneficiaria os próprios chineses.

Veja – Muitos se queixam em seu país que os chineses têm se beneficiado mais do que a população americana. Isso não pode despertar sentimentos nacionalistas?
Paulson – Existe aí uma grande contradição. Nos últimos vinte anos, todos aqueles países que se abriram ao comércio e à competição internacional acabaram se beneficiando. Ainda assim, no entanto, há sentimentos protecionistas em todos os países. Essas pressões existem na China, nos Estados Unidos e no Brasil. Por isso temos tanta dificuldade em avançar nas negociações da Rodada Doha de abertura comercial. Nos Estados Unidos, existe, sim, uma certa percepção de que os benefícios do comércio mundial não vêm sendo distribuídos de maneira igual e justa – e essa visão está refletida no Congresso americano. Isso me preocupa, claro, mas faz parte do meu trabalho defender a idéia de que os mercados americanos continuem abertos, porque acredito que isso nos beneficiará. Nossas exportações para a China vêm crescendo rapidamente. Ao importarmos produtos chineses, nós nos beneficiamos dos preços baixos, que ajudam a manter a inflação sob controle. Algumas pessoas vêem como uma ameaça o fato de a China ser a economia que mais cresce no planeta. Prefiro ver isso como uma oportunidade.

Veja – A Rodada Doha parece ter entrado em um beco sem saída. O senhor acredita que as divergências poderão ser superadas? Os Estados Unidos estão preparados para ceder um pouco mais?
Paulson – Com certeza temos um grande desafio pela frente, não será fácil superar os obstáculos. O importante é não desistir. Penso que os negociadores dos principais países envolvidos estão comprometidos com uma resolução para o impasse. O presidente Lula está comprometido, assim como o presidente Bush. Não será fácil. Mas, se quisermos avançar, todos os países terão de ceder e oferecer um pouco mais.

Veja – O senhor vem de uma carreira de sucesso na iniciativa privada. Como tem sido sua experiência em Washington?
Paulson – Não há sombra de dúvida de que se trata de uma experiência bastante diferente. Mas, como digo para as pessoas que trabalham comigo: não sou nenhum diplomata. Tenho apenas mais dezoito meses no cargo, até o fim do mandato do presidente Bush, por isso gosto de trabalhar naquilo que me possibilite entregar os melhores resultados práticos. Em alguns aspectos, entretanto, as duas atividades são muito semelhantes. O sucesso só vem quando se trabalha em equipe, cedendo quando necessário e tentando convencer as pessoas a fazer as coisas da maneira que você considera mais adequada. De nada adianta aparecer com alguma idéia brilhante que nunca sairá do papel.

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