Não há forra, mas fatos
Ag. Senado |
Calheiros: o roteiro de acusar a imprensa é bastante conhecido |
O roteiro seguido pelos políticos brasileiros pegos com a boca na botija é mais reprisado do que os filmes da sessão da tarde na televisão. Em algum momento, acuados por revelações intransponíveis, eles sempre culpam a imprensa. Nessa estratégia de defesa com uso do contra-ataque, chamam as revistas e os jornais sérios, que vivem de levantar e relatar fatos, de "fascistas" ou "nazistas" – epítetos, aliás, que deveriam ser usados com parcimônia, ao menos em respeito aos milhões de vítimas das brutalidades dos regimes de Mussolini e Hitler. Acusar a imprensa é agora, previsivelmente, a estratégia de contenção do senador Renan Calheiros, que usava os serviços do lobista de uma grande empreiteira para pagar pensão à mãe de sua filha. "Setores da mídia, que não conseguiram derrubar o presidente Lula, agora querem ir à forra, querem ir ao terceiro turno, derrubando o presidente do Senado Federal", disse o senador, no desespero de safar-se da condenação por falta de decoro parlamentar.
Tudo isso seria apenas patético se não fosse fruto do cinismo. Dos "setores da mídia" contra os quais Calheiros lança seus vitupérios faz parte, é claro, VEJA. Foi esta revista que revelou o esquema do senador. Também foi VEJA que abriu a caixa de Pandora dos escândalos políticos que abalaram o país em 2005 e 2006. Pela enésima vez, repita-se: ao trazer à tona as malfeitorias cometidas contra a nação, a imprensa não faz mais do que cumprir o seu papel. Nas democracias, é assim que funciona. Os jornalistas e os veículos onde trabalham ajudam a fiscalizar o poder e, quando descobrem que um mandatário cometeu uma infração, relatam o que apuraram. Em seguida, a denúncia deve ser analisada pelas esferas capazes de punir ou inocentar o infrator. A imprensa brasileira tem demonstrado uma sadia capacidade de vigilância e indignação. Sua função se esgota aí. Cabe aos pares de Renan julgá-lo. Mas que o julguem com base nos fatos, e não nas conveniências. Aos cidadãos cabe talvez a mais eficiente das responsabilidades – a de exercer pressão contínua em favor da moralização da desastrada gestão pública.