Tanta novidade até confunde A força de atração dos novos aparelhos cria a perplexidade típica do mundo atual Carlos Rydlewski
| Não transcorreram doze horas do lançamento do iPhone para que começasse a circular no boca-a-boca e nas resenhas preparadas por especialistas uma lista de seus defeitos (veja o quadro). O telefone celular mais aguardado dos últimos tempos, nova estrela da Apple, a fabricante do iPod, provou-se um aparelho limitado. Como prometido, ele acumula as funções de tocador de MP3, navegador de internet e seu design é muito atraente. Mas, comparando item por item, há aparelhos de concorrentes com mais recursos e melhores soluções. Apesar de suas limitações, o iPhone está longe de ser um fracasso. Nos primeiros dias após o lançamento do aparelho nos Estados Unidos, há uma semana, formaram-se filas nas portas das lojas para comprá-lo. Estima-se que, até a sexta-feira passada, tenha sido vendido 1 milhão de celulares iPhone. Em se tratando de um aparelho que não cumpre o que promete, tamanho sucesso só encontra explicação num fenômeno: a avidez com que cada vez mais pessoas consomem as novidades do mundo eletrônico. Para um número crescente de consumidores, não basta ter um aparelho que atenda às necessidades pessoais, seja ele celular, máquina fotográfica, tocador de MP3 ou computador. É preciso ter o aparelho mais novo e mais moderno, mesmo que não se usem muitos de seus recursos. Essa busca insaciável pelas novidades eletrônicas se deve, em parte, à velocidade impressionante com que produtos inovadores surgem no mercado e são alardeados pela publicidade. Mais importante que isso, contudo, é que os aparelhos eletrônicos pessoais, principalmente os celulares, deixaram de pertencer apenas à categoria das ferramentas utilitárias. Exibi-los tornou-se uma forma de expressão pessoal, como no caso das roupas. Disse a VEJA Ravi Dhar, professor de administração e marketing do Centro de Estudos de Consumo da Universidade Yale: "Na última década, a tecnologia assumiu características antes só vistas na indústria da moda. As pessoas querem ser as primeiras a ter um iPhone, assim como desejam ter o último modelo da bolsa Prada. A funcionalidade é menos importante do que mostrar ao mundo que você tem determinado produto". Um bom exemplo de como os aparelhos eletrônicos se tornaram objeto de expressão pessoal são os toques de celular, os ringtones. Cada um seleciona o seu ringtone de acordo com a própria personalidade ou estado de espírito na ocasião. A consultoria americana Gartner estima que o mercado de ringtones no mundo movimentará 7 bilhões de dólares neste ano. Fotos Mark Lennihan/AP, M. Spencer Green/AP e divulgação | Fila para comprar o iPhone em loja da Apple, em Nova York: a funcionalidade é o que menos importa. À direita, os novos modelos da Prada, da BlackBerry e da Nokia | O impulso de substituir produtos antigos pelas novidades do mercado não se restringe aos aparelhos eletrônicos pessoais. Em todo o mundo, os consumidores trocam de eletrodomésticos e de automóveis em intervalos mais curtos do que no passado, mesmo que as máquinas em uso estejam funcionando bem. Segundo escreve o historiador canadense Giles Slade em seu livro Made to Break (Feito para Quebrar), isso ocorre porque a publicidade e as modernas técnicas de marketing tentam convencer o consumidor não apenas de que há um novo produto atraente no mercado, mas também de que o produto que ele tem em casa está obsoleto. Diz Slade: "O objetivo é estimular a insatisfação do consumidor com o que ele possui. No caso dos aparelhos eletrônicos pessoais, essa estratégia é hoje levada a extremos para que eles pareçam produtos descartáveis". O empresário esportivo paulista Daniel Dip, de 26 anos, é um exemplo de consumidor para quem os aparelhos eletrônicos são bens descartáveis. Ele não consegue ficar com o mesmo telefone celular por mais de oito meses. Nos últimos anos, comprou todas as grandes novidades na área: BlackBerry, Treo 650 e Motorola V3 – e as repassou aos amigos depois de usá-las durante um tempo. Daniel acaba de encomendar um iPhone a um amigo que mora nos Estados Unidos. O aparelho será habilitado numa conta da AT&T que ele já possui no exterior. "Depois de um certo tempo, a novidade cansa. Provavelmente, o mesmo vai acontecer com meu iPhone", ele diz. Algumas das limitações do iPhone chegam a torná-lo anacrônico dentro do universo atual dos aparelhos eletrônicos. A obrigatoriedade de firmar contrato de dois anos com a operadora de telefonia AT&T, por exemplo, equivale a comprar um computador que só aceita um tipo de provedor de internet. É ainda a Apple que define quais softwares podem ser usados no iPhone. Atualmente, as principais responsáveis pelos avanços no mundo digital são as plataformas abertas, que aceitam a colaboração de diversos programadores. A tendência no mundo é de abertura e compartilhamento de soluções. Quem se opõe a essa lógica está sujeito à ação dos Robin Hood virtuais, especialistas em decodificar os segredos e as restrições de uso dos aparelhos eletrônicos. Para as indústrias, esses programadores são hackers a combater. Para os consumidores, eles se tornam aliados no combate às limitações no uso dos aparelhos. O mais famoso deles, o norueguês Jon Lech Johansen, conhecido como DVD Jon, entrou em ação na semana passada e conseguiu criar um código que permite ativar o iPhone sem usar o sistema de certificação criado pela Apple e pela AT&T. Por enquanto, o código só habilita as funções de tocador de música e de acesso à internet do iPhone. Pode-se apostar que em poucas semanas alguém inventará um código para desbloquear o iPhone por completo e fazer com que ele possa ser usado com outras operadoras e até mesmo fora dos Estados Unidos. No caso de Jon Lech Johansen, credenciais não lhe faltam: em 1999, com apenas 15 anos, ele quebrou o sistema de proteção que impedia cópias de DVDs (daí o seu apelido). O iPhone parece destinado a uma carreira bem mais modesta que a do iPod, um fenômeno que conquistou 80% do mercado americano de tocadores de MP3 e vendeu mais de 110 milhões de unidades no mundo desde 2001. O iPod revolucionou a maneira de ouvir música e entrou num mercado fragmentado, onde nenhuma grande indústria dominava o segmento. Agora, a história é diferente: o iPhone penetrou numa arena onde estão empresas muito maiores que a Apple e que dividem o setor há mais de uma década com marcas como Palm, BlackBerry, Nokia, Motorola, Samsung e LG. Essas companhias produzem aparelhos cada vez mais completos e diversificados para conquistar a atenção dos 3 bilhões de pessoas – metade da população mundial – que hoje têm celular. Na semana passada, a LG lançou no Brasil um telefone com design da grife Prada, cujo acesso aos recursos, como o iPhone, é feito por toques na tela. Ao contrário do aparelho da Apple, ele produz pequenos vídeos e aceita cartões de memória, entre outras funcionalidades. A Nokia lançou nos Estados Unidos um smart phone, o modelo N76, vendido a 499 dólares – o mesmo preço do iPhone mais simples –, mas que pode ser usado com qualquer operadora. Já o BlackBerry 8830, lançado há duas semanas no Canadá, exige contratos de três anos com a Bell Mobility, mas sai por 299,95 dólares e conta com GPS e discagem por voz. Nos Estados Unidos, o aparelho pode ser usado em convênio com quatro companhias. Embora com uma história de pioneirismo no mundo dos aparelhos eletrônicos, Steve Jobs, o dono da Apple, desta vez terá de suar um pouco mais a camisa para fazer do iPhone um ícone de mercado. Será preciso aperfeiçoar o aparelho e livrá-lo de suas amarras operacionais. Só assim as multidões de consumidores ávidos por trocar de celular em curto espaço de tempo continuarão a fazer fila por seu produto. Com reportagem de Gabriela Carelli e Leoleli Camargo Ilustração com fotos de Robert Recker/Getty Images e divulgação | |