A criança em seus primeiros três anos de vida constitui em boa parte um painel branco sobre o qual se vão fixando as impressões geradas pelo ambiente em que vive, do qual necessita antes de tudo receber proteção, carinho e segurança.
A interferência do adulto no processo de aprendizagem não se deve fazer por meio de advertências dirigidas à razão, facilmente desobedecidas, mas sim pelo exemplo, a partir da necessidade profunda de imitar das crianças. Fazer o correto, desde os atos mais comezinhos da vida, em atmosfera de convivência baseada no respeito ao outro é o principal e indelével exemplo positivo a ser imitado.
A pobreza e a moradia precária, só ruído e promiscuidade, obrigatoriamente não impedem a criação de um clima afetivo. Devastadora, ressaltam Frans Carlgren e Arne Klingborg, difusores do método pedagógico Waldorf, criado por Rudolf Steiner, é a privação de sentimentos, a falta de amor nos primeiros anos de vida.
É certo, contudo, que as crianças mais expostas à violência no lar e na rua são geralmente as pertencentes aos setores mais carentes. Seus comportamentos são a continuação da opressão do dia-a-dia, ou seja, sombrios, agressivos, uma imitação do que as circunda, como bem destaca Leni Attarian, tutora da creche Boa Esperança de São Paulo.
A escola pode, porém, ajudar a oferecer à criança modelos dignos de imitação, visando a que se sinta olhada e saiba olhar com simpatia e bondade, para ganhar confiança nos outros e em si própria. Assim se minimiza a atmosfera de agressividade por via da presença firme e amorosa de professores num ambiente de empatia, de compartilhamento de alegrias e sofrimentos.
A faixa etária de 0 a7 é a mais importante na formação do ser humano, como atestam os especialistas. A essas crianças envoltas em cotidiano de dificuldades e violência a escola pode viabilizar, pelo método Waldorf, o desenvolvimento de potencialidades e sensibilidades, dando campo ao desabrochar da fantasia, da criatividade. O brincar é a atividade séria da criança, afirma Renate Keller Ignácio. Os brinquedos devem ser simples para que a brincadeira nasça de dentro para fora, por obra da fantasia. O brincar abre a trilha da criatividade a partir de um pedaço de pau, de panos e bonecas toscas. Ouvir histórias e contos de fadas alimenta a imaginação e produz novas fantasias. A brincadeira de roda, os cânticos e a música dão ritmo à existência. Os trabalhos manuais, o preparo da comida e o plantio de uma semente organizam a mente, unem à natureza. Coitada da criança presenteada com brinquedo pronto ou computador.
Mais que qualquer outra, a criança que vive em situações de conflito acentuado na favela precisa, como oxigênio, de ambiente saudável na escola, para se abrirem as portas da sensibilidade e da criação artística pelo desenho, pela escultura, pelo teatrinho. A solidariedade revela-se pelo exemplo cotidiano de professores carinhosos. Nas cantigas, nos contos de fadas, no teatro se estimula a liberdade de imaginar, fantasiar, pensar.
Essencial é trazer os pais a participarem juntos, na escola, desse processo, pois, como revela a experiência da creche Boa Esperança, essa participação os humaniza, com drástica redução do índice de violência familiar. É esta a também comovente experiência que verifiquei na visita que fiz à Favela Monte Azul, na zona sul de São Paulo, onde moram 6 mil pessoas, num empreendimento social amplo de muitos anos, construído com denodo por Ute Craemer.
Extraordinária experiência presenciei em escolinha Waldorf de vilarejo litorâneo do sul da Bahia. Deixo que as professoras contem. Fabiana Silva Diaz relata que chegaram à escola “12 adoráveis bichinhos”. Não conheciam higiene nem noções básicas de educação. A primeira merenda, recorda, foi caótica, uma angústia, pois o certo e o errado não faziam sentindo ali. Começou, então, dando exemplos de comer devagar, com calma, educadamente, e aos poucos os principezinhos e as princesinhas foram aparecendo.
Com amor e paciência, conta Fabiana, introduziram-se, de forma lúdica, noções hoje corriqueiras para eles: agradecer a comida, esperar todos serem servidos para começar a comer, escovar os dentes antes de ir brincar, lavar as mãos antes de comer, pedir desculpa. “Percebi”, diz a professora, “que não tinham imaginação criativa.” Não sabiam brincar. Jogavam os brinquedos no chão. Devagar, a criatividade foi aparecendo, com as músicas constantemente cantadas, os desenhos e as histórias contadas. Hoje brincam sozinhos, criam pequenas fábulas para eles mesmos vivenciarem, simulam situações domésticas e são harmônicos ao brincar.
A sociabilidade teve um imenso avanço. Antes, lembra Fabiana, portavam-se perante estranhos como criaturas do mato, sem olhar no olho, mudas. Hoje apresentam a escola às visitas, conversam, são seguras e respeitosas. “Senti também”, assevera Fabiana, “a importância do trabalho com as famílias, por não ser possível introduzir nas crianças tantas novidades sem que a família seja chamada a participar e aprender também.”
Roberta Policarpo, outra professora da escolinha, constata que a grande carência das crianças em condições de pobreza é a do afeto, do olhar, do calor. Para ela, tão logo alguém direcione amor respeitoso e responsável, as crianças passarão a confiar nesse alguém, surgindo vínculo que pode sanar sua dor e transformar passividade e apatia em participação, agressividade e desagregação em harmonia e respeito.
Posso concluir: as crianças até 7 anos, em especial as da favela, devem receber menos conceitos e mais carinho e estímulo à criatividade; menos ordens racionais e mais exemplos calmos de como agir em respeito ao próximo e à natureza; mais brincadeira com panos e cabos de vassoura do que uso prematuro de computadores, que engessam o espírito. Essa a receita para crescerem com confiança em si e nos outros.