Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 07, 2007

Mauro Chaves

Múltipla desmoralização


Não se pense que depois da renúncia (para breve absolvição eleitoral e retorno) de Joaquim Roriz basta agora o afastamento - por renúncia ou cassação - de Renan Calheiros do Senado para que se reverta a múltipla desmoralização que este propiciou. Duas frases deverão permanecer como sínteses de toda a avacalhação institucional causada pelo político alagoano, muito menos pelo comportamento privado anterior, de que é acusado - o de ter usado dinheiro de empreiteira executora de obras do governo para sustentar suas estripulias extraconjugais -, do que por seu comportamento posterior, ao exibir desrespeitos sucessivos e acachapantes a um sem-número de valores. “Come eu, Renan”, estava escrito no cartaz exibido por uma das corredoras da maratona realizada em Taguatinga, cidade satélite de Brasília. “Mais que sangrando, o Senado está fedendo”, disse o senador Jarbas Vasconcelos. Tais frases espelham um nível de degradação que exigirá enorme esforço ético dos representantes dos Estados no Parlamento para que se reverta.

Renan Calheiros desmoralizou o “status” da cadeira presidencial de um Poder quando dela se utilizou para exibir a indecência da traição privada, com o objetivo de se passar por vítima e obter beneplácito de seus pares, pelo “calvário” que dizia trilhar. Com o termo, aliás, desmoralizou a fé cristã, ao associar seu “sofrimento” ao do Cristo. Em seguida desmoralizou as mulheres - e todas as que, no Legislativo e fora dele, se engajam na luta feminista -, ao mencionar apenas “a gestante”, como se a mãe de sua filha não tivesse nome e fosse uma espécie de útero ambulante. Na relação promíscua com o lobista de uma empreiteira, Renan já desmoralizara as empreiteiras, ao tornar empresas responsáveis por importantes obras públicas suspeitas de dependência de tráfico de influência, via ligações mui fraternas com pessoas estrategicamente posicionadas na cúpula de um Poder de Estado.

Do alto da cadeira de comando de um Poder de Estado, Renan Calheiros desmoralizou a instituição da família, o sentido da paternidade, o direito das crianças à preservação pública de sua imagem - o que se consagra no Estatuto da Criança e do Adolescente -, quando permitiu que seus defensores divulgassem, em meio ao conflito, o nome de sua filha de 3 anos. E, do gabinete de comando desse Poder, ele desmoralizou a faculdade de discernimento de seus pares, interferindo no processo por falta de decoro, do qual é réu, como jamais se viu em lugar algum - e aí desmoralizou a própria isenção de juízo, requisito essencial de qualquer julgamento nas democracias ao mínimo civilizadas.

O pior de tudo é que na seqüência dessas sucessivas desmoralizações o senador alagoano só foi encontrando pouca ou quase nenhuma resistência. Do patético beija-mão inicial, após sua disgusting “exposição das próprias vísceras” - como se o espaço público fosse sequioso de fedentinas morais -, participaram governistas e oposicionistas, de quase todos os partidos (exceção do bravo PSOL). Nas entrevistas que todos davam após aquela inacreditável farsa, a avaliação geral era a de que o senador alagoano “se saíra muito bem”, fora “muito convincente” na explicação de seus portentosos negócios pecuários.

Com o passar dos dias, e mesmo depois do desmonte - por reportagem da TV Globo - da argumentação via opulência vacum do senador, choviam-lhe opiniões aderentes. O senador corregedor fez escandalosa profissão de fé na parcialidade - com o seu já antológico “quero absolver” -, desmoralizando, assim, o próprio sentido da correição, em qualquer Poder (o que depois tentou “compensar” pré-condenando Roriz). E quanto ao cego compadrio, capaz de desmoralizar a imagem de um parlamentar e de seus próximos, o líder do governo no Senado, recebendo (pelo celular) ordens diretas do investigado, nas sessões do Conselho de Ética, ultrapassou todos os limites da compostura. Vá ser líder assim do governo de Pasárgada.

No momento em que o senador Renan Calheiros cobrou e obteve relativo apoio do presidente da República - seguido do de alguns constrangidos ministros -, desmoralizou a independência dos Poderes de Estado, contraindo dívida impagável com o chefe do Executivo, algo que impossibilita qualquer gesto menos servil, em relação ao governo, por parte da Câmara Alta da República.

Só aos poucos as oposições - primeiro, o DEM; depois, os tucanos, os pedetistas e outros, até alguns participantes da base de sustentação política do governo - se deram conta de que a situação do presidente do Congresso Nacional e terceiro sucessor na Presidência da República se tornou politicamente insustentável, independentemente de perícias da Polícia Federal, de comprovação de fraudes ou do que mais se descubra em termos de quebra de decoro do senador alagoano, visto que seu comportamento durante o próprio processo no Conselho de Ética, com o réu convocando julgadores a seu gabinete e tentando comandar, de todas as formas, o próprio julgamento, já constitui a mais estrepitosa quebra de decoro parlamentar da História do Parlamento brasileiro.

P. S. - Por que de repente, sem maiores explicações, o divertido, bem-feito, crítico e provocativo programa Diário da Manhã, do jornalista Salomão Schvartzman, contando com a maior audiência da emissora e quatro bons patrocinadores, foi simplesmente defenestrado da Rádio Cultura? A opinião do público (atestada pela audiência) de uma emissora pública não vale coisa alguma? Ou se tratará, mesmo, do start de uma censura ideológica?

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