Crime aumenta desigualdade
Não foi à toa que o Instituto Fernando Henrique Cardoso organizou o seminário sobre criminalidade na América Latina, realizado no começo da semana na Universidade de Harvard. O ex-presidente está convencido de que o PSDB deve assumir a bandeira do combate ao crime organizado e à violência urbana, assim como assumiu o combate à inflação com o Plano Real. Ele faz uma correlação entre os dois fenômenos, lembrando que assim como os pobres eram mais atingidos pela inflação, pois viam o poder de compra de seu salário ser corroído sem ter acesso a contas remuneradas nem a aplicações financeiras, também hoje são os pobres os mais afetados pela violência, já que a parcela mais rica da população tem condições de pagar por proteção particular ou de usar carros blindados.
Também não foi por acaso que no seminário estavam presentes representantes dos governos de São Paulo e de Minas Gerais, que apresentaram os projetos contra a violência que estão sendo implantados naqueles estados, comandados pelos dois principais postulantes tucanos à Presidência da República no momento, os governadores José Serra e Aécio Neves.
A avaliação da cúpula do PSDB é que dificilmente o governo conseguirá manter intacta a ampla coalizão política que o apóia sem a figura catalisadora de Lula, nem a certeza de uma vitória nas urnas. A questão da violência urbana há muito está na agenda brasileira, mas não foi capaz de atrair a ação governamental na gestão tucana, que se limitou a atos isolados neste ou naquele estado, e à criação de diversos órgãos federais, como a a Secretaria Nacional de Segurança Pública, e nem na gestão petista, até o momento.
Os dois governos criaram estruturas organizacionais que aumentaram a atuação do governo federal no combate à criminalidade, mas não foram capazes de transformar em ação o plano teórico. A criação do Susp (Serviço Único de Segurança Pública) no governo Lula mal saiu do papel e não há uma política nacional de combate à violência urbana.
Uma das explicações pode estar na baixa correlação que a percepção da opinião pública faz entre o governo federal e o combate à criminalidade, tarefa que, ao que indicam as pesquisas, a opinião pública atribui mais aos governos estaduais.
Essa separação já preservou anteriormente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e preserva hoje Lula, dos desgastes originários da crise de segurança pública, mas não tira do governo federal a tarefa prioritária de assumir o comando das ações contra essa verdadeira praga urbana que assola o país todo, e não apenas estados como Rio e São Paulo.
Diante das evidências, a dimensão do problema já o está transformando em prioridade das políticas públicas, mesmo que legalmente esta não seja uma tarefa estrita do governo federal. Por isso o PSDB trata de se preparar para apresentar um plano organizado de segurança pública.
O ex-presidente Fernando Henrique pediu ao economista José Alexandre Scheikman que, assim como elaborou a “agenda perdida”, um conjunto de medidas econômicas que acabou sendo adotado pelo então ministro Antonio Palocci, também prepare com estudiosos brasileiros um roteiro do que seria a “agenda perdida” da segurança pública.
A vantagem do governo Lula é que, tendo ainda três anos e meio pela frente, tem condições de colocar em prática um programa, e essa parceria com o governador do PMDB Sérgio Cabral certamente faz parte de uma estratégia maior nesse campo.
Para corroborar a tese de que o pobre é o mais afetado pela falta de segurança, o carioca Igor Barenboim, doutorando em economia da Universidade de Harvard, fez um trabalho sobre violência urbana que, ao contrário de associar a desigualdade social ao crime, faz uma reversão de causalidade, tentando provar que o ambiente de criminalidade continuada é uma das causas da desigualdade social.
Segundo ele, o crime, além de corroer a renda dos mais pobres, tem um impacto negativo na sua capacidade já reduzida de poupança, impedindo que façam planos de futuro para, por exemplo, a educação de seus filhos. Os de maior poder aquisitivo, por terem mais condições de se proteger da violência — seja se mudando para locais menos afetados, seja vivendo em condomínios com segurança particular ou usando carros blindados — amenizariam os impactos do ambiente de criminalidade em suas vidas cotidianas.
Também a extrema desigualdade de renda leva à concentração da pobreza em regiões ou bairros, o que faz com que a taxa de violência nesses locais seja aumentada.
Como resultado, estudantes pobres têm uma educação pior, aumentando a desigualdade.
Para complementar o quadro, as crianças pobres habitantes dessas áreas mais afetadas pela violência, como nossas favelas, são susceptíveis de terem os criminosos como modelos de sucesso.
Ele cita uma pesquisa do economista Steven Levitt, segundo a qual no meio dos anos 1990, nos Estados Unidos, famílias com renda abaixo de US$ 25 mil tinham mais de 60% de chances de serem assaltadas em casa. O estudo de Igor Barenboim mostra que, ao final de seis ou mais anos, o crime continuado tem um impacto na distribuição de renda.
A cada 1% de crescimento da criminalidade, o coeficiente de Gini cresce 0,6%.
Essa medida é usada internacionalmente para avaliar a desigualdade social dos países, e quanto mais próximo o índice de zero melhor é a distribuição de renda. O trabalho cita também estudos que demonstram que a violência local nos bairros pobres nos EUA reduz em 5% a possibilidade de conclusão de estudos do segundo grau e em 6,9% a expectativa de que um estudante chegue à universidade.
No Brasil, a situação deve ser relativamente pior.
Em outras palavras, diz Barenboim, altas taxas de criminalidade levam a aumento da desigualdade.
Entrevista:O Estado inteligente
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