Colaborando com a prosperidade
Não sei, mas, na minha opinião, estão querendo nos dizer alguma coisa, ensinar-nos novos comportamentos ou amestrar-nos mais adequadamente, para prosseguirmos no florescer de nossa exuberante vocação de otários, acomodados, explorados, esnobados, individualistas ou excluídos da locupletação geral — que é, às vezes, o que suspeito que a maioria sente, Deus me perdoe.
Refiro-me às operações da Polícia Federal, em que nos mostram gente presa, algemada e encarcerada, para pouco depois vermos todo mundo solto e nada mais acontecer, até porque aprendemos a consumir escândalos. A produção é farta e, então, ninguém quer assistir ao mesmo episódio muito tempo.
Como tudo mais hoje em dia, consomese o escândalo do momento com cada vez maior velocidade e é necessária uma novidade a cada instante.
Acho que o que querem nos dizer é que não adianta chiar. É o relaxogozismo estendido a toda a vida nacional. O relaxogozismo foi lançado de forma que não condiz com sua importância em nossa maneira de ver as coisas. Devia ter havido uma solenidade. Ouso mesmo afirmar que melhor síntese da sociedade brasileira jamais foi feita desde Tomé de Souza e, se a examinarmos com vagar, veremos que não só se trata de um retrato sem pose do que pensam nossos governantes dos seus governados como de um conselho que, se tomado adequadamente, poderá facilitar a vida de todos. É assim mesmo como está aí, não vai mudar, o Homem tem terror de que alguma coisa mude, não quer saber de aporrinhação nem de trabalho nem de largar o bem-bom.
Quanto à punição de ladrões do dinheiro público e assemelhados, já devíamos ter assumido a postura indicada pelo relaxogozismo, o que nos teria aliviado — e deverá aliviar, se tomarmos tento —, porque é claro que não vai haver punição alguma para nenhum prevaricador, digamos assim, padrão A, ou mesmo B. Quanto a mudar alguma coisa de verdade, também esqueçamos.
Acho que de há muito devíamos estar sentindo isso. Poderíamos ter até erigido alguma ocasião como o marco definidor de onde jazem as preferências do Novo Lula (agora já não tão novo assim, a não ser para os religiosos) — o dia em que ele chamou os usineiros de heróis, para mim muito mais importante que o Dia do Fico.
Como ninguém vai em cana mesmo, a não ser os de sempre, nem acontece nada a quem tem poder e grana, resta, tudo dentro da base filosófica relaxogozista, oferecer algumas achegas ao esquema reinante, sempre no intuito de colaborar para o bem-estar geral e uma convivência bem mais objetiva e prazerosa com a realidade. Leio aqui numa revista americana uma notícia não muito clara, sobre juízes federais, acho que na Flórida, terem aceitado trocar as penas de detenção ou reclusão de alguns condenados leves por prisão domiciliar, contanto que o condenado pagasse uma certa quantia ao Estado, como, por exemplo, no caso que vi mencionado, cinco mil dólares por dia. Isso pode parecer dinheiro a nós, pés-rapados, mas há muitas suítes de hotéis que custam bem mais caro e vivem ocupadas.
De início, achei uma bela idéia. Poderá funcionar no Brasil, mas só durante algum tempo, em que não passaremos pelo constrangimento de ver pessoas de posição e status sujeitas a prisão.
Depois de um ano ou dois, o Congresso aprova uma verba indenizatória qualquer para cobrir essa despesa, e quem acaba pagando somos nós mesmos, como sempre. Não, pensando bem, isso não serve. Ainda não sou um bom relaxogozista, que teria imediatamente chegado a essa conclusão.
Aqui a coisa tem que ser adaptada às nossas condições. E, modestamente, acho que cheguei pelo menos ao esboço dessa adaptação. Ela certamente não é perfeita, mas é aperfeiçoável, e creio que, com a pitada de programa social que incorporei, poderá ser mais um adorno na coroa desse governo, que faz tudo pelo social. A idéia é a seguinte: em vez de pagar ao Estado para curtir a pena em casa, o abonado paga a um pobre para ir para a cadeia por ele. Já pensaram no alcance disso? Sentiram o imediato impacto no mercado de trabalho e na renda das classes menos favorecidas? A carga de trabalho do Judiciário (não me refiro à venda de sentenças e correlatos, isso já está resolvido pelo relaxogozismo — e aliás, por mim, que sou homem de decisão, adotavam logo uma tabela para a venda de sentenças, é o que aconselha o melhor relaxogozismo) seria aliviada, porque ninguém ia gastar uma fortuna com advogados e firulas jurídicas, quando podia resolver o problema com o sustento de um ou dois pais de família. E tenho certeza de que o governo seria rigoroso quanto a isso: carteira assinada, plano de saúde, todos os direitos do trabalhador. Aleguese que não haveria espaço suficiente nos estabelecimentos penitenciários para tanta gente. Mas não seria tanta assim. Num primeiro momento, eles poderiam se amontoar a duzentos por cela, relaxar e gozar — o que, a bem dizer, requereria considerável versatilidade, mas não se pode querer tudo neste mundo e, além disso, cadeia não é hotel. E, se a crise se tornasse insuportável, soltava-se logo todo mundo, com anistia geral, bolsafamília pelo resto da vida e quatrocentos reais por obra de arte realizada ou filho parido ou campeonato do Corinthians ou qualquer coisa que desse na cabeça do legislador.
Está assim relembrada a esculhambação que é isto aqui, onde apenas a roubalheira é séria, e demonstrada a relevância do relaxogozismo para a nação.
Creio mesmo que “Relaxe e Goze” poderia ser o lema do governo, um governo otimista, bonachão, aberto, bemhumorado.
Claro — por que não? — relaxe e goze. O único problema é que, para nós, só fica a parte do relaxe.
Entrevista:O Estado inteligente
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