A propalada ineficiência de gestão do governo Lula pode ser avaliada por diversas medidas, desde a simples e pura constatação de que praticamente nenhum projeto anunciado pelo governo progride; até por medidas mais técnicas, como a recente pesquisa do Banco Mundial, que mostrou que a capacidade de prestar serviços públicos aos cidadãos, que em 2003 foi avaliada em 60,7, numa escala de zero a cem, caiu para 52,1 ano passado. E o índice que apura o estímulo à economia privada caiu de 62,9 em 2003 para 54,1 ano passado. O presidente tem se queixado da burocracia e, na sua linguagem popular, disse outro dia que colocar em prática projetos “é uma coisa mais difícil do que a galinha botar um ovo. Aqui, a gente sofre, sofre, e às vezes o ovo demora mais tempo do que deveria”.
Quatro anos e meio depois de ter assumido o governo, o presidente Lula continua à frente de uma coalizão política e social que, tentando ser a mais ampla possível, tornase ela própria impeditiva de uma ação governamental mais eficiente, ao mesmo tempo que lhe garante um apoio pessoal inédito.
O Estado hoje é o centro da política brasileira. É em torno dele que tudo gira, desde os subsídios para os chamados movimentos sociais, que em troca apóiam o governo, até o espaço politico diversificado ocupado por ONGs, centrais sindicais, representações de operários e empresários no mesmo grupo ministerial.
Lula exerce o papel de mediador dessa esquizofrenia política paralisante: ora o Estado ineficiente incha com a contratação de mais de 20 mil funcionários públicos; ora descobre que para ter maior eficiência e produtividade tem que mudar o sistema de contratação para a CLT.
Como não consegue consenso dentro de sua base política para mudar a Constituição e flexibilizar as relações trabalhistas, apresenta um projeto de lei mudando as regras de contratação e licitação em setores da administração pública, retirando a estabilidade no emprego e incluindo salários e incentivos de mercado para os novos contratados.
Essa permanente busca de conciliar posições até mesmo antagônicas faz com que o presidente Lula mantenha no Banco Central um Henrique Meirelles, ao mesmo tempo em que coloca Guido Mantega no Ministério da Fazenda substituindo a Palocci, o que provoca um conflito permanente de interesses que pode vir a colocar em risco os êxitos obtidos até agora na política econômica.
A disputa entre os dois sobre a meta de inflação para os próximos anos já está sinalizando uma tendência altista.
Como o presidente Lula aprendeu que é a inflação baixa que lhe garante em última análise a popularidade, é possível que venhamos a ter novos capítulos nessa disputa permanente entre o social-desenvolvimentismo e a ortodoxia, outro dos muitos sinais ambíguos desse governo.
A dificuldade de “colocar o ovo” aludida pela incontinência verbal de nosso presidente encontra uma explicação científica num artigo do sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Iuperj, na página da internet “Gramsci e o Brasil”. Ele classifica o governo Lula de um “projeto pluriclassista”, traduzido “em uma forma de Estado de compromisso, abrigando forças sociais contraditórias entre si — em boa parte estranhas ou independentes dos partidos políticos —, cujas pretensões são arbitradas no seu interior, e decididas, em última instância, pelo chefe do Poder Executivo”.
“Capitalistas do agronegócio, MST, empresários e sindicalistas, portadores de concepções e interesses opostos em disputas abertas na sociedade civil, encontram no Estado, onde todos se fazem representar, um outro lugar para a expressão do seu dissídio”, ressalta.
O sociólogo vê, dentro das diversas instâncias do governo, e em especial no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), a criação de um “parlamento paralelo onde classes, frações de classes, segmentos sociais têm voz e oportunidade no processo de deliberação das políticas que diretamente os afetam. Nesse parlamento, deliberase sobre políticas e se decide sobre sua execução. À falta de consenso, o presidente arbitra e decide”.
Essa maneira de administrar as tensões contorna “o parlamento real e o sistema de partidos na composição dos interesses em litígio”, fazendo com que as decisões na esfera pública tendam “a se conformar por razões tecnocráticas”, pois seus agentes não têm “como conhecer, salvo por meios indiretos, a opinião que se forma na sociedade civil”.
Diz Werneck Vianna que “a afirmação da representação funcional como forma de articulação de interesses, sob a arbitragem do Estado, é mais um indicador da intenção de se despolitizar a resolução dos conflitos em favor da negociação entre grupos de interesses”.
Os partidos políticos, nesse contexto, “passam a viver uma dinâmica que afrouxa seus nexos orgânicos com a sociedade civil, distantes das demandas que nela se originam. Tornamse partidos de Estado, gravitando em torno dele e contando com seus recursos de poder para sua reprodução nas competições eleitorais”.
Esse Estado, segundo Werneck Vianna, “não quer se apresentar como o lugar da representação de um interesse em detrimento de outro, mas de todos os interesses. Essa a razão de fundo por que o governo evita a fórmula de poder decisionista e também se abstém de propor mudanças legislativas em matérias estratégicas, como a tributária, a da reforma política e a da legislação sindical e trabalhista, que, com sua carga potencialmente conflitiva, poderiam ameaçar a unidade de contrários que intenta administrar”.
O resultado disso, analisa Werneck Vianna, é um presidente da República “carismático, acima das classes e dos seus interesses imediatos, cujos antagonismos harmoniza, detendo sobre eles poder de arbitragem, cada vez mais apartidário, único ponto de equilíbrio em um sistema de governo que encontrou sua forma de ser na reunião de contrários, e em que somente ele merece a confiança da população”.
Entrevista:O Estado inteligente
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