O mundo está crescendo há cinco anos, e fluxos abundantes de capitais circulam sustentando negócios, países e otimismo, mas, nos últimos tempos, a expressão “aversão ao risco” voltou a ser ouvida. A preocupação maior é com as hipotecas de alto risco, o ponto mais fraco do mercado imobiliário americano. “A dúvida é se estamos fazendo um picnic perto de um vulcão”, diz José Roberto Mendonça de Barros.
O mercado foi volátil na sexta-feira, bem na quinta-feira e na quarta-feira havia sido ruim. Essas oscilações diárias dizem pouco. O mais importante na semana que passou foi que as agências de risco Standard & Poor’s e Moody’s rebaixaram uma série de títulos ligados a hipotecas de alto risco, conhecidas como subprime. São hipotecas de tomadores que não têm bom histórico de crédito. Bancos importantes como JPMorgan e Goldman Sachs têm altas posições nesses papéis. No início do ano, o HSBC anunciou que faria reservas contra possíveis problemas vindos das subprime.
Recentemente, fundos do Bear Stearns admitiram ter rombos, e eles foram cobertos pelo próprio banco pela bagatela de US$ 1,6 bilhão. Um dos fundos tinha apenas US$ 100 milhões desses papéis, mas havia emprestado dez vezes mais com base nesses títulos. Essa alavancagem é que torna tão explosivo o problema, e tão pouco conhecido o tamanho da encrenca.
— O pior é o desconforto de saber que o mico existe, mas não se sabe com quem está — diz Mendonça de Barros .
Em outros momentos, papéis de alto risco já foram gatilho de crises dos fundos.
O mercado de hipotecas movimenta US$ 10 trilhões. Ainda que os títulos arriscados sejam apenas uma pequena parte desse total, a alavancagem faz com que o impacto seja muito maior, e o risco de contaminação realmente exista. O rebaixamento pelas agências de risco obriga os fundos a reduzir o percentual desses papéis em carteira, o que detona um processo maior de desvalorização de papéis. Quem está mais exposto ao risco acaba tendo que fazer uma liquidação maior de papéis.
No mercado imobiliário em si, as notícias não são boas. Os índices vêm mostrando meses seguidos de queda na construção de novos imóveis, nas vendas e no aumento de estoques.
Nos últimos anos, o que movimentou a economia americana foi o mercado imobiliário. As famílias refinanciavam o imóvel e, com a renda extra, alimentavam o consumo.
— Na minha visão, o maior risco hoje na economia americana vem do mercado de imóveis. O pior não passou ainda. Os preços dos imóveis ainda não caíram. Na hora em que caírem, podem trazer novos compradores, mas, antes de melhorar, vai ter que piorar — comenta Ricardo Amorim, do WestLB.
No mercado imobiliário inglês, nos últimos anos, os preços dos imóveis subiram e caíram sem que houvesse uma crise. Isso porque o investidor inglês, diante da valorização do seu imóvel, vendeu a propriedade e comprou uma menor ou menos valorizada, e poupou a diferença. Os negócios no mercado americano parecem ter levado apenas ao aumento da propensão ao consumo, pelo “efeito riqueza” gerado pela transação imobiliária ou financeira do imóvel. O consumidor se sentiu mais rico, mas estava apenas mais endividado.
Mendonça de Barros acha que a confusão está longe de terminar e diz que os números sobre o tamanho do rombo ainda não estão claros: — O CS fala em US$ 55 bilhões, o Deutsche em US$ 90 bilhões e a Pimco, em um número intermediário. São números parrudos. O mais importante é que 11% destes empréstimos se referem a três tipos de situação: primeiro, tomadores com mais de 90 dias de atraso; segundo, dívidas que já entraram em processo de execução para a retomada do imóvel; terceiro, o imóvel já foi retomado.
Há o temor de que se faça um leilão desses papéis. Isso pode mostrar que eles não têm liquidez, forçando o mercado a reconhecer o prejuízo.
Isso poderia puxar para baixo o mercado financeiro.
A esperança é que a inflação americana continue desacelerando, permitindo que o Fed mantenha os juros.
Neste cenário, o pouso suave da economia americana seria mais provável.
A crise das hipotecas de maus pagadores pode contaminar a economia por dois caminhos.
— Ou via demanda, com os consumidores reduzindo as compras e derrubando a economia americana, o que até agora não aconteceu; ou a contaminação do mercado de crédito de uma forma geral, porque, em outras modalidades de crédito, deve haver títulos equivalentes ao subprime. Aqui na MB achamos que esse assunto é uma espada em cima da cabeça do mercado — diz José Roberto.
Nas economias centrais, o clima começa a mudar. Os mais pessimistas olham os números assombrosos das valorizações dos ativos e acham que o efeito pode estar perto do fim. São os que sustentam que o mundo está vivendo uma bolha e que vai estourar em recessão e inflação mais adiante. Mas, no mercado financeiro, é difícil encontrar quem veja alguma sombra no horizonte. Tudo se passa como se o bom momento fosse durar ainda muito tempo. Os sinais de mudança de clima são vistos como chances de um processo de ajuste suave de eventuais excessos. Não haveria prenúncio de crise, mas, sim, o início de um movimento que a evitará.
Se os otimistas estiverem certos, o mundo reduzirá o ritmo de crescimento a partir de agora. Se os alarmados estiverem com a razão, uma pequena crise de confiança pode disparar um efeito cascata que desmonte a exuberância excessiva dos últimos anos. Nos dois cenários, o mundo começa a mudar.
Entrevista:O Estado inteligente
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