Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 15, 2007

João Ubaldo Ribeiro

Não reforma nada aí


Deve haver alguns entre vocês que ainda se lembram do tempo em que se falava em reformas de base. Era até meio moda intelectual falar-se nas reformas de base. O sujeito nem sabia direito o que eram as reformas de base, mas, nas boas conversas em sociedade, se manifestava, ainda que muitas vezes moderadamente, a favor das reformas de base. 'Claro que, sem as reformas de base, nada poderá ser feito', concluía-se judiciosamente qualquer pensamento sobre a realidade nacional.

Mais tarde, com o fim do governo João Goulart e a instalação do regime militar, as reformas, não sei bem por que, foram deixando de ser de base. Talvez a expressão tenha adquirido má reputação em círculos poderosos e muitos, naqueles tempos delicados, com certeza consideravam melhor para a saúde não falar em reformas de base. Mas as reformas não foram embora e continuaram a parecer necessidades a serem enfrentadas de qualquer jeito, se quiséssemos um país relativamente desenvolvido e decente para com os que o sustentam.

O dr. Fernando Henrique, até hoje me lembro muito bem, só falava em reformas, logo depois que tomou posse da primeira vez. E daí partiu para não reformar nada, muito antes pelo contrário e tudo entremeado de explicações que acabaram não explicando nada. Dois anos com o gogó habitual em nossos governantes e sem reforma nenhuma, ele se obsediou com a única verdadeira reforma que fez: a constitucional, que lhe daria direito a reeleição. O homem só queria saber de reeleição e não foi pouco o que o noticiário da época se ocupou dos acordos que ele fechava para garantir sua permanência no poder.

Depois, é claro, a bandeira reformista ficou com a oposição. A oposição, capitaneada pelo presidente atual, iria fazer todas as reformas. Estava tudo errado e ela, subindo ao poder, ia consertar. Só não se falou em reforma moral e ética, até porque tanto o candidato como o seu partido já representavam o que de mais alto havia nesse departamento. Mas iam reformar tudo de cabo a rabo, a começar por essa indecência de governar através de medidas provisórias, como se isto aqui ainda fosse o Estado Novo. Talvez - quem sabe? - até mostrando o exagero das viagens de dr. Fernando Henrique, toda hora em Paris, Nova York ou não se sabia onde mais, em vez de ficar aqui, encarando a administração do dia-a-dia.

Bem, é preciso ser muito religioso, mas muito religioso mesmo, para achar que houve ou está havendo alguma reforma. As medidas provisórias, por exemplo, estão mais abundantes do que nunca e, quanto a viagens, tenho certeza de que o presidente já convidou o Romário para juntos comemorarem o milésimo vôo no Aero-Lula. Não se fala mais nem em reforma agrária, que tinha status especial entre as reformas de base, chegando mesmo a parecer que, nominalmente, todo mundo era a favor, embora diferindo em pontos que até descaracterizariam uma verdadeira reforma agrária. Mas a favor todo mundo era e ela não saía de pauta.

Contudo, desapareceu, como todas as outras. O gogó funcionou ativamente outra vez, mas não saiu nem reforma agrária, nem reforma política, nem tributária, nem administrativa, nem educacional, não saiu reforma nenhuma e agora cai-me cá a ficha: é que não tem mais essa de reforma, isso é coisa do passado. Claro, a oposição e seu candidato mentiram, quando prometeram reformas e mudanças para melhor. Mas hão que ter mentido para o nosso próprio bem (eles sabem tudo o que é para o nosso bem, inclusive agora, novamente, ao que devemos assistir e, daqui a pouco, ler) e vamos convir que esse negócio de reforma dá despesa, trabalho, briga e muita aporrinhação.

Claro, também é natural que alguns dos que esperavam reformas e mudanças e votaram por elas tenham ficado desapontados com o que aconteceu desde o começo. Mas o desapontamento tem limites e não pode chegar a esse ponto voluntarioso e infantil. Vamos amadurecer e ver a realidade como ela é. Aceitar os fatos, lembremos, é a melhor maneira de nos ajustarmos confortavelmente à realidade. E o fato é que não tem mais essa de reforma, reforma só se for bancária, para dar logo aos bancos título sobre tudo o que possuímos.

A reforma é a ótica do passado. A Era Lula - caiu mesmo a ficha - é a Grande Era do Vá se Acostumando Porque é Assim Mesmo, é a era do status quo. Não mudam os costumes políticos (ele mesmo já tinha dado a dica, na célebre entrevista de Paris), desde os conchavos imorais ou ilegais até o empreguismo desenfreado, com a criação generosa de empregos públicos para quem precisa ser premiado ou mantido nas hostes. Não muda nada e, portanto, não há o de que reclamar.

Quanto a ele, está agora no melhor dos mundos. Governa sem oposição e trafega alegremente em meio à bandidagem que o circunda, viaja, solta uma medida provisória aqui e ali, engana os bestas em reuniões internacionais com poses de socialista e paladino dos trabalhadores. Quanto aos votos, comprou-os também alegremente através dos 'programas sociais' e navega tranqüilo num oceano azul de popularidade. Se houver um plebiscito hoje, para saber se o declaramos presidente perpétuo, não duvido nada que ele ganhasse folgado e, portanto, ainda há um elemento de despeito em quem se acha muito sabido, enquanto o povo gosta é dele.

Pergunto agora eu a vocês: quem é que está certo, ele ou quem discorda? Dizia um professor meu: 'Quem está certo é quem está se dando bem.' Sábia verdade, que os fatos só fazem confirmar. Não reforma nada aí. Quem quiser que também se faça na vida e, enquanto isso, o choro é livre e o relaxogozismo é recomendado.

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