A reação, com gestos obscenos, do assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, à notícia do “Jornal Nacional” de quinta-feira de que a tragédia com o avião da TAM em Congonhas pode ter sido provocada por um defeito na aeronave, além de ser ofensiva à família das vítimas e a todo o país, ainda chocado, revela o raciocínio mesquinho que predomina em setores importantes do governo Lula. Dizer que a reação não foi de comemoração, mas de “indignação” pelas acusações “políticas” ao governo de ser responsável pelo desastre, não melhora a situação de Garcia e de seu assessor, muito menos afirmar que se estivesse em público não reagiria daquela maneira.
Temos aí a admissão de que entre quatro paredes no Palácio do Planalto acontecem coisas, no trato de assuntos de governo, que não podem ser mostradas em público, o que por si só já é preocupante. Um cidadão comum pode ter hábitos e comportamentos dentro de casa que não seriam bem vistos em público. Mas um homem público não pode ser flagrado em atitudes insólitas e alegar que estava se manifestando “em privado”.
Além do mais, a “indignação” extravasada tão cruamente revela que o núcleo decisório do Palácio do Planalto acompanhava os desdobramentos da tragédia com uma preocupação política que superava a visão humana da tragédia que deveria prevalecer em momentos como esses.
Esse sentimento também explica por que o presidente Lula não apresentou de corpo presente suas condolências aos parentes das vítimas, e somente ontem foi à televisão para anunciar medidas que já deveriam ter sido tomadas em algum momento anterior nestes quase dez meses de apagão aéreo.
Mas, sobretudo, a reação de assessor tão graduado demonstra a absoluta falta de informação que ainda predomina no governo a respeito do que realmente está acontecendo no país. Em primeiro lugar, parece claro, mesmo para os leigos, que um avião com reversor com defeito, mesmo que tecnicamente possa passar dez dias “em operação”, não deveria ser utilizado, devido a uma margem de segurança que tem que ser mais importante do que a margem de lucro das companhias aéreas.
O mesmo caso se aplica às obras da pista do Aeroporto de Congonhas, que foram entregues antes do prazo por pressão das companhias que lá operam. Se é verdade que o “grooving” não é indispensável para a segurança do pouso, e se também é verdade que a pista estava “operacional”, como atestou a Infraero momentos antes do acidente, depois que ela fora interditada por reclamação dos pilotos, que a consideravam muito escorregadia, também é verdade que todos esses procedimentos da Infraero e da TAM demonstram que as operações estão sendo realizadas sem margens de segurança.
Devido ao aumento da demanda, que o ministro do Planejamento atribuiu alegremente à “prosperidade” do país, as companhias aéreas não querem abrir mão de operar em aeroportos centrais como Congonhas, nem reduzir o número de vôos.
O brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero, que recentemente dissera que nossa malha aérea “foi para o espaço”, também disse nestes dias pós-desastre que, se o Aeroporto de Congonhas for fechado, milhões de passageiros ficarão sem condições de viajar.
Ele ontem, ainda sob o choque do desastre, teve a coragem de dizer que o Aeroporto de Congonhas é “um orgulho brasileiro” e, repetindo Guido Mantega, diagnosticou um “surto de crescimento econômico” no país. Ameaçado de perder o cargo nesta reestruturação que está sendo preparada, o brigadeiro parece querer agarrar-se ao posto.
Mas por que ele disse, nos primórdios da crise, que nossa malha aérea fora “para o espaço”? Porque sabia que, desde que a Varig deixou de operar normalmente, havia problemas não resolvidos. A chamada “malha aérea”, segundo os especialistas, é um conjunto de rotas servidas por aeronaves e profissionais aeronautas, mais os controladores de vôo e seus equipamentos de apoio, que oferece um número determinado de assentos nos aviões para se ir de um lugar a outro.
Preservar bem a malha aérea tem papel central no controle de riscos.
Pois nossa malha aérea está sobrecarregada desde que um número menor de aeronaves responde por uma demanda que cresceu rápido, sem qualquer previsão ou antecipação das autoridades.
Os especialistas consideram que há um elo de causalidade direta, embora camuflado, entre os fatores que se conjugaram até o trágico acidente da TAM em Congonhas e os eventos anteriores que conduziram à cessação das atividades da Varig, principal responsável pela malha aérea brasileira até o ano anterior.
E essa é a razão por que o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, não deveria ter comemorado, muito menos daquela maneira, a revelação de que o aparelho da TAM estava com defeito.
Está patente a omissão dos diversos órgãos federais encarregados do planejamento do serviço aéreo comercial, como especificado detalhadamente no Código de Aeronáutica e na legislação que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), definida em lei como “órgão responsável” pelo setor.
No Artigo 4oestá dito que compete à Anac (...) aprovar e fiscalizar a construção, a reforma e a ampliação de aeródromos e sua abertura ao tráfego, observadas a legislação e as normas pertinentes e após prévia análise pelo Comando da Aeronáutica, sob o ponto de vista da segurança da navegação aérea; (...) e “expedir normas e estabelecer padrões mínimos de segurança de vôo, de desempenho e eficiência, a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços aéreos e de infra-estruturas aeronáutica e aeroportuária, inclusive quanto a equipamentos, materiais, produtos e processos que utilizarem e serviços que prestarem”.
Não há dúvidas de quem é a responsabilidade final.
(Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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