Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 21, 2007

FERNANDO GABEIRA Corações partidos

PARIS - Depois de dois dias de trabalho em Genebra, cheguei a Paris pensando em férias. Abri a mala, liguei a TV e lá estava a imagem terrível do desastre com o Airbus da TAM. Foram dois dias de debates sobre o futuro: energia solar, internet, genoma.
Reduzi o volume por causa dos vizinhos e passei a noite perplexo com as notícias que vinham de São Paulo. Era tudo tão familiar; o logo da TAM, a avenida Washington Luís, o rosto de William Bonner. Os debates sobre o futuro pareciam irreais, assim como a lista de livros que trouxe para comprar.
Era apenas um brasileiro num quarto de hotel, sofrendo com as imagens dos familiares das vítimas, especialmente um casal mais velho abraçado, olhando desoladamente para o chão. Nesses momentos, a noite passada em claro nos obriga a um exame de consciência, um fluxo que nos arrebata e que, no final, sempre nos transforma numa outra pessoa.
Desde novembro, falo da crise aérea. No entanto, fui incapaz de ajudar o governo ou mesmo de atravessar a muralha defensiva de auto-suficiência que criou para justificar seu ritmo lento. De repente, tudo o que parecia velho e bolorento em nosso país desaba nesse pequeno quarto como algo insuportável. Para começar, a forte politização de uma CPI que acabou culpando os americanos pelo desastre do ano passado; e, seguida nossa tolerância com a incompetência, mergulhados que estamos em nossas derramadas relações pessoais, sempre voltadas para os amigos, enquanto o povo mesmo é uma abstração destinada a sofrer.
Alguma coisa está rompendo dentro de nós com a explosão do Airbus; não dá mais para conciliar com uma esquerda perdida no tempo, desoladamente medíocre até para os padrões do século passado. Não dá mais para conviver com a aliança de assim chamados socialistas com os grandes roedores da política nacional. A corrupção é apenas um tópico.
Há a incompetência que surgiu como um escândalo na tomada do Instituto Nacional do Câncer, explodiu como uma tragédia na morte das crianças guaranis-caiuás e agora se arrasta perigosamente na crise aérea. Isso não significa que o governo seja o culpado pelo acidente. Pilotos e especialistas revezaram-se na CNN tentando explicar os fatores que podem ter influído na explosão. No fundo, a discussão coincide com o debate que se trava no Brasil e que acompanhamos pela internet.
Significa apenas que para cada um de nós a tragédia terá um peso. Havia uma certa leveza no exílio, por sentir-me pouco responsável pelo que se passava no Brasil. Estávamos fora e pronto. Havia muita dor por estar fora.

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