Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 13, 2007

Merval Pereira - 30 anos depois




O Globo
13/7/2007

A retomada do projeto nuclear brasileiro - com o anúncio de um financiamento de US$1 bilhão nos próximos oito anos para o projeto do submarino atômico da Marinha, além do enriquecimento de urânio em Aramar e a construção da usina nuclear de Angra III - traz novamente à tona semelhanças de estratégias do governo Lula com o governo do general Ernesto Geisel, provavelmente para irritação de adeptos de ambos os lados.

No entanto, o presidente Lula nunca escondeu a admiração pelo planejamento estratégico do governo Geisel. O conceito de "Estado forte" tanto serve a um esquerdismo que ainda domina setores do PT, quanto a um nacionalismo do qual Lula é tão adepto quanto o foi o general Geisel.
O programa nuclear brasileiro com a Alemanha foi assinado num período em que o governo Geisel procurava alternativas às relações com os Estados Unidos, abaladas pela ação do governo Carter de defesa dos direitos humanos. As críticas à adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), somente formalizada no governo de Fernando Henrique Cardoso, têm hoje a mesma matriz ideológica que marcou a atuação do governo Geisel na política externa, muito semelhante à atual: um alinhamento com os países emergentes, preferência para as relações Sul-Sul, e um certo nacionalismo antiamericano, que resultou na recusa dos militares de assinar o TNP.

As críticas do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, à política de desarmamento adotada na América do Sul nos anos 90 do século passado, especialmente à assinatura do Tratado de Não Proliferação, já foram fonte de mal-entendidos diplomáticos e continuam provocando polêmica.

Na primeira campanha presidencial, o então candidato Lula assumiu as críticas à assinatura do TNP e depois teve que se explicar. No início do primeiro governo, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, chegou a falar em bomba atômica em uma entrevista a um repórter estrangeiro, e também teve que voltar atrás.

Essa postura, e mais a proximidade com a Venezuela, que já propôs um programa nuclear conjunto, e com o Irã - os Estados Unidos estão pressionando a Petrobras para cortar os negócios com o Irã, devido ao programa nuclear - pode levar à idéia de que o governo brasileiro tenha a intenção de retomar um projeto nuclear com fins militares, que chegou a ser iniciado secretamente durante o período militar e teve fim simbólico, com uma pá de cal jogada pelo então presidente Collor, num buraco na Serra do Cachimbo, no Pará, em 1991.

As instalações de Aramar hoje estão sob salvaguardas, e as salvaguardas sobre Resende estão sendo negociadas. Resende essencialmente é a mesma instalação, mas num nível acima de Aramar, que é um laboratório, enquanto Resende é uma fábrica semi-industrial que, em oito anos, deve produzir o necessário para o funcionamento das duas usinas de Angra e da terceira que virá a ser construída.

Poucos países dominam a técnica de enriquecer urânio: EUA, Rússia, China, França, Alemanha, Holanda e Inglaterra. O Brasil está entre eles. No Brasil, os investimentos foram feitos por civis e militares, pela Marinha e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen), que hoje integra a Comissão Nacional de Energia (Cnen).

Recentemente, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) teve um entrevero com o governo brasileiro por causa de uma inspeção em Resende, que acabou se realizando dentro das condições aceitas pelo governo brasileiro, que lá utiliza uma centrífuga especial para enriquecimento de urânio.

Até mesmo o Programa Nacional do Álcool, lançado no governo Geisel, por essas trapaças do destino, volta a ser a menina dos olhos do governo Lula com o programa do etanol e do biodiesel, mostrando, além do mais, que a idéia de que tudo começou com a chegada ao poder de Lula não se sustenta.

Essa admiração pela capacidade de planejamento estratégico do governo militar chegou a provocar no então todo-poderoso ministro José Dirceu uma comparação: aos que o acusavam de ser o Golbery de Lula (O chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva, era o grande estrategista político de Geisel, com atuação marcante nos bastidores do poder), ele dizia que queria ser mesmo era "o Reis Velloso".

Assim como Lula já repetiu diversas vezes, o então presidente Geisel pretendia que o governo fosse indutor da economia. Foi através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que Reis Velloso estabeleceu as diretrizes econômicas pós-milagre. Ele mesmo destaca, como um dos fatores principais do sucesso, a prioridade ao acionamento de pelo menos duas de três fontes de crescimento industrial: substituição de importações, expansão das exportações e expansão da demanda interna, sendo que no II PND "combinaram-se as três fontes".

Hoje, pelo menos duas - crescimento de exportação e expansão da demanda interna - estão acionadas. Essas semelhanças, com uma diferença de 30 anos, mostram que ou o governo Geisel tinha uma visão de futuro acertada, ou o governo Lula está retrocedendo no tempo. Façam suas escolhas.

A atitude do governo boliviano de pedir indenização ao governo brasileiro pela construção da hidrelétrica do Rio Madeira só pegou de surpresa o governo brasileiro por incompetência. O deputado Raul Jungman, do PPS, membro da Comissão de Relações Exteriores, já havia alertado para a possibilidade de isso ocorrer em um relatório, depois de uma visita de um grupo de parlamentares à Bolívia. Essa advertência, e diversas outras, foram publicadas aqui na coluna.

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