Resnais já foi o mais cínico e clínico dos franceses.
Agora, ele incentiva seus personagens a viver a vida
Isabela Boscov
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Todos os seis protagonistas de Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs, França/Itália, 2006), que estréia nesta sexta-feira em São Paulo e no Rio de Janeiro, estão na meia-idade ou indo para além dela – mas, para o diretor Alain Resnais, eles poderiam ser crianças. Não só porque Resnais, aos 85 anos, é um dos mais idosos cineastas na ativa ou porque, embora a idade tenha suavizado o olhar clínico que ele sempre dedicou aos seus personagens, sua distância característica continua lá. Eles poderiam ser crianças pelo tanto que estão perdidos e pelo tão esperançosos que permanecem – e também pela inocência com que imaginam que, se tentarem esconder suas aflições, os outros (e eles mesmos) não se darão conta de que elas existem.
A questão, aqui, é o romance, ou a ausência dele. Logo na cena de abertura, Nicole (Laura Morante) argumenta com Thierry (André Dussollier), um corretor de imóveis, que o apartamento que ele está apresentando para ela é pequeno demais. Nicole insiste que Dan (Lambert Wilson), seu noivo, precisa de um cômodo extra para um escritório. Mas Dan não tem emprego nem está à procura de um, e também não parece dar a mínima para a noiva. Tudo o que ele faz é entornar drinques e atormentar o barman, Lionel (Pierre Arditi), com suas ponderações embriagadas. Por que então Nicole continua pensando em se casar com Dan, indagam-se todos, o espectador inclusive? Provavelmente pela mesma razão pela qual Thierry arrisca uns galanteios para sua colega de imobiliária, Charlotte (Sabine Azéma), a quem ele julga uma coitada e uma carola. Ou por que Charlotte, de noite, vai cuidar do pai inválido de Lionel, que lhe atira pratos de sopa na cara e faz comentários horríveis sobre sua aparência. Ou por que Gaëlle (Isabelle Carré), a irmã de Thierry, diariamente prega uma flor vermelha na lapela e vai para algum bar encontrar-se com desconhecidos que nunca dão as caras. Porque, enfim, a solidão romântica apavora a todos aqui, e eles se debatem para espantá-la antes que seja tarde demais. Mas, como são pessoas polidas e um pouco envergonhadas de seus fracassos, elas se debatem de mansinho, para não fazer onda demais, e pedem socorro aos sussurros, para não incomodar a vizinhança. Envelhecer sozinho pode ser desesperador, enfim – mas não dar bandeira desse desespero é mais difícil ainda.
Algumas décadas atrás, é provável que Resnais tratasse dessa gente com um bocado mais de sarcasmo – como em Meu Tio da América, em que ilustrava a previsibilidade do comportamento humano colocando cabeças de ratos nos atores e fazendo-os correr por labirintos, como num laboratório. O diretor definitivamente não perdeu sua pegada cínica. Mas, a exemplo de Amores Parisienses, lançado em 1997, Medos Privados indica que ele agora dedica aos seus personagens (no caso, tirados da peça homônima do inglês Alan Ayckbourn) também um carinho genuíno e uma dose generosa de compreensão. Amparado na sua ampla experiência, como homem e como cineasta, Resnais parece querer dizer a essas seis pessoas que falhar não é uma vergonha. Vergonha seria, isso sim, desistir de tentar.