Mailson da Nóbrega *
O Presidente dá sinais de que conhece o valor da estabilidade da moeda para o bem-estar dos pobres, que são a maior fonte de sua popularidade. Por perceber os riscos de mágicas tidas como elixir para o crescimento, ele se tornou o grande fiador da política econômica, papel que normalmente se esperaria da Fazenda, onde ainda se acredita que inflacionar a economia ajuda a baixar os juros.
Semana passada, enquanto se discutia na Fazenda a estúpida idéia de tributar fluxos externos para barrar a apreciação cambial, Lula afirmava, em discurso no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) que é preciso aguardar “com muita paciência que o dólar se acomode”, rejeitando a adoção de “medidas intempestivas”.
Lula mandou um recado para o ministro da Fazenda, que fala muito, se desdiz e anuncia o que não foi decidido. “Em determinados casos, a gente não diz o que pensa, a gente faz quando pode e, se não pode, deixa como está hoje”.
O Presidente provavelmente sabe que inflação baixa ajuda a expandir o crédito, o qual é parte crucial e indissociável do processo de desenvolvimento. Em suas diversas modalidades, mitiga os custos de informação e de transação, e promove a melhor alocação de recursos.
O aprofundamento financeiro, isto é, o aumento da proporção entre o crédito e o PIB alavanca o crescimento, via ampliação do acesso ao crédito por empresas e indivíduos, para consumo e investimento.
Em artigo recente (Relative Price Stability, Creditor Rights, and Financial Deepening), especialistas do FMI evidenciaram esse aspecto e indicaram os fatores que asseguram a expansão do crédito. O texto está no www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2007/wp07139.pdf.
A construção de um vigoroso mercado de crédito depende de fatores como o respeito aos contratos e a preservação dos direitos de propriedade, que são essenciais para reduzir riscos dos credores e criar incentivos à oferta de financiamento. Segundo os autores, a estabilidade macroeconômica é determinante para o aprofundamento financeiro.
A instabilidade macroeconômica gera inflação e esta provoca alta volatilidade nos preços relativos, o que pode provocar grandes aumentos de lucros ou dramáticos prejuízos. Os riscos de não-pagamento dos empréstimos se elevam, desencorajando a oferta de financiamento, como ocorria nos tempos de inflação alta, quando o crédito mal passava dos 20% do PIB (32% atualmente).
A partir de 2003, quando se tornou claro que Lula não mudaria a política econômica e que a estabilidade macroeconômica seria preservada, o crédito passou a crescer rapidamente, impulsionado também pela criação do crédito consignado e por medidas que viabilizaram forte expansão do crédito imobiliário.
O êxito da política macroeconômica permitiu que a taxa de juros baixasse ininterruptamente a partir de setembro de 2006, contribuindo para ampliar a oferta e a demanda de crédito.
O crédito imobiliário vive uma realidade inédita, já se tendo notícia de financiamento para compra da casa própria a prazo de 30 anos. Não será surpresa se o crédito total se aproximar de 50% do PIB no final deste governo.
Juros em queda, confiança em alta e maior acesso ao crédito constituirão poderosos ingredientes para impulsionar a indústria, particularmente a da construção civil, o comércio e outras atividades. Ao mesmo tempo, o consumo aparente de bens de capital tem crescido a ritmo superior ao do crescimento do PIB, indicando que a mudança do patamar que se vem observando não acarretará elevação dos riscos inflacionários.
No discurso perante o CDES, Lula externou a convicção de que “o Brasil encontrou o seu caminho”, afirmou que o crescimento é “inexorável” e assegurou que “é só não fazer nenhuma bobagem”.
Espera-se que o Presidente se dê conta de que foi bobagem a decisão recente sobre a meta de inflação, felizmente sem danos até aqui. É preciso, na verdade, evitar bobagem das grandes, como seria a tributação dos fluxos externos.
Há muitos sinais de deficiências gerenciais do governo, que trarão problemas no futuro e provocam situações sérias (e trágicas) no presente. Felizmente, dá para crer que a estabilidade macroeconômica será preservada. O aprofundamento financeiro tende a prosseguir e, com ele, a elevação do potencial de crescimento. Não é pouco.