Para ex-presidente da Vale, País corre risco de apagão geral e precisa de homens que pensem nas gerações futuras
Irany Tereza e Nicola Pamplona
O nome do engenheiro Eliezer Batista é referência natural à Vale do Rio Doce, empresa na qual ingressou em 1949, sete anos depois da fundação, e da qual se afastou definitivamente quase 50 anos depois. O pioneirismo na Vale - onde deixou sua marca no Projeto Carajás (PA) e na criação do Porto de Tubarão (ES) - sempre foi pontuado pela paixão por logística e infra-estrutura.
Entre suas passagens pela presidência da mineradora, Eliezer integrou o ministério de João Goulart, a equipe de Fernando Collor, presidiu empresas privadas e passou cerca de 30 anos no exterior, alguns deles presidindo subsidiárias da Vale. Aos 83 anos, é uma das maiores autoridades em logística do País. Sobre a situação atual, diz que o Brasil corre, sim, risco de apagão geral. Como solução, defende medidas tecnicamente radicais, começando tudo de novo e aproveitando apenas parte da rede existente.
“Esse negócio de ficar com muita ideologia não dá em nada”, diz, com a propriedade de “cidadão do mundo”. Com a alemã Juta Fuhrken teve sete filhos e apenas dois deles vivem no Brasil. Hoje no Conselho Coordenador de Ações Federais do Rio de Janeiro, da Firjan, Eliezer Batista acredita que, com um atuação radical, o País reverte o déficit logístico em 20 anos. A seguir, trechos da entrevista:
Como explicar o crescimento econômico brasileiro sem investimentos pesados em infra-estrutura?
O Brasil cresceu a um custo muito alto, de fabricação de muita pobreza. Quer dizer, tem de crescer de maneira que a distribuição de renda seja boa para todos. Hoje crescemos à base de um certo número de nichos, e quem está fora não tem condição de sobrevivência. A infra-estrutura está em todo lugar. Se você quiser produzir uma coisa e levar a outro lugar, tem de transportar, armazenar, e isso é custo. Se crescermos agora 4% ou 5%, te pergunto: a energia que temos programada dá? Agora, se tivéssemos dado preferência a essas coisas imediatas para geração de renda, criação de empregos, estaríamos gerando custos de produtos mais baratos para o consumo interno e mais competitividade internacional.
O Brasil corre o risco de um apagão logístico?
Corre, claro que corre. Você vê esse anel rodoviário de São Paulo, onde roda mais de 60% da economia brasileira. Estão discutindo isso há mais de 20 anos. Por que não fizeram? Se aquilo ali enguiça, grande parte da nossa produção está bloqueada. O problema portuário é terrível. Em Sepetiba, gastamos mais de 10 anos para construir o porto. Hoje já saturamos o Tecon (terminal de contêineres) do Rio, controlado pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), mas a expansão dele foi bloqueada por diversas razões que estão aí, políticas e de falta de coordenação. Tudo isso se traduz em custo. O maior custo Brasil é a logística. E aí incluo insumos, como energia. Não se investiu nada em infra-estrutura, talvez nos últimos 20 anos.
Por que não conseguimos resolver isso?
Para fazer uma coisa, por mais simples que seja, tem de ter experiência. Tem de ter pessoas que saibam fazer. Não se esqueça que nossos concorrentes estão fazendo isso. Estão crescendo a uma taxa muito maior, com uma educação muito mais aperfeiçoada.
Quem trava a solução? O poder público ou a visão do empresário?
Quando você tem um empresário com a cabeça moderna, que quer aumentar a eficiência, ele depende de uma infra-estrutura que depende em grande parte de leis que são obsoletas, que não se aplicam, reformas que nunca vêm, etc.
O crescimento econômico tem sido apontado algumas vezes como a razão para o caos no transporte brasileiro....
(Interrompe) Não é assim que se raciocina. Tem de dizer: apesar de tudo ainda estamos crescendo. É o contrário.
E para reverter esse quadro?
Planejar isso de forma integrada. Por exemplo, estamos tentando fazer uma logística integrada usando terra, mar e ar, inserir a nova logística aérea de cargas e passageiros também. Com linhas regionais ligadas a esses hubs (pontos de concentração e distribuição), integrando a logística terrestre e aquática com a logística aérea. Na Europa, os aeroportos ficam distantes da cidade, mas com um transporte viário de alta velocidade.
Em São Paulo, Congonhas funciona como um hub...
Pois é, deveria haver outro aeroporto fora e ligado a São Paulo com trem de alta velocidade por exemplo. Por que não se pode fazer isso? É falta de dinheiro? Não, falta sabe o quê? Nós precisamos de mais estadistas, homens que pensem nas gerações seguintes, não só em política.
Há como calcular quanto custaria a redução do déficit em infra-estrutura e logística?
Dá pra fazer isso. Mas antes disso seria melhor calcular a integração física da América do Sul, ignorando o fato de o Brasil ser uma república federativa. A idéia é primeiro ignorar a divisão federativa. Fizemos um estudo dividindo o País em nove ou dez regiões economicamente autônomas, levando em conta inclusive o desenvolvimento regional. O Nordeste, sem o custo da divisão em Estados, precisaria, vamos supor, de R$ 10 bilhões para infra-estrutura. Se levar em conta impostos dos Estados e outros custos da divisão, esse valor cresceria seis ou sete vezes. Havia, por exemplo, dificuldade no trajeto de estradas por divergências entre Estados.
Como a dificuldade de integração da América do Sul?
Na América do Sul, teria de ser visto o lado estratégico. Fizemos um planejamento que deu origem ao programa que está em curso, de integração da América Latina. Eu só queria a integração física e eles discutem o político. Do governo Fernando Henrique para cá, politizaram tudo. Começou a disputa sobre quem vai liderar, aquela vaidade de homem, que é pior do que a de mulher. Resultado: politizaram e deu em nada.
Há solução no curto prazo para o País?
Há duas aproximações. A de tentar consertar o que existe em logística terrestre e marítima - não havíamos incluído a aérea pois não sabíamos que estava nesse estado. Tem muita coisa que dá para aproveitar na infra-estrutura. Daria para fazer um remendão, um patchwork. Outra coisa seria fazer um negócio radical: botar tudo novo, inclusive na parte aérea. Evidentemente, poderia aproveitar alguma coisa.
Nos Estados Unidos houve um período em que eles construíram uma malha viária totalmente nova. É uma proposta semelhante?
É mais ou menos isso. Eu estava lá na época. A Rússia está fazendo isso agora, estão reconstruindo tudo. Os comunistas construíram pensando no desenvolvimento da Sibéria, mas o mercado fica para o outro lado. O problema do capital hoje é uma coisa relativa. Se o dinheiro é de A, B ou C, não interessa. O que interessa é se está gerando emprego e funcionando. Mao Tsé-tung dizia: “Não importa a cor do gato, contanto que pegue o rato”. Esse negócio de ficar com muita ideologia não dá em nada.
A proposta é buscar capital externo de investidores?
Olha o que faz a China. Não interessa de onde venha o capital, contanto que tenha gente competente para geri-lo e a soberania seja mantida. A China tem um exército colossal e ninguém mete o bico.
Uma mudança radical na infra-estrutura conseguiria nos tirar do marasmo em quanto tempo?
Digo radical tecnicamente. Pelo que vi na Coréia, que conheci em ruínas nos anos 50, quando o Brasil dava de 10 a zero, e se transformou em país high tech, de biotecnologia. No Brasil, numa geração se muda tudo. Em 20 anos. É mais fácil levar um país da estaca zero, sem tradição, sem nada, a ser high tech, do que um que já tem culturas estratificadas.
Existe algum estudo sobre o que é necessário?
Fiz um estudo antes do PAC: “A arte de montar a equação logística”. Foi encaminhado ao governo.
Na área energética, as hidrelétricas do Rio Madeira e a tecnologia nuclear são soluções?
São. As duas são necessárias. Desde que se tenha o timing certo. Para a nuclear, a hora é agora, não tenha dúvida. Agora, estamos passando por mudanças de clima que podem prejudicar muito o Rio Madeira. Por que não começar primeiro por Belo Monte?